De tantos e tão frequentes, os crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro deixaram de merecer atenção. Pela compra de apoio parlamentar com um orçamento paralelo e secreto de R$ 3 bilhões, Bolsonaro pode ser enquadrado em pelo menos três dos crimes do presidente da República tipificados pelo 4º da Lei 1070/50, que trata do assunto: atentar contra a lei a orçamentária, a probidade administrativa e a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos.
O caso revelado pelo Estadão, entretanto, guarda diferença com outros crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro. Neste, foi criada uma verdadeira “organização criminosa”, da qual participam, além do chefe do Executivo, o ministro que era o coordenador político, general Luiz Eduardo Ramos, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, executor da trampa, e um grande número de parlamentares que, por um expediente secreto e ilegal, indicaram o destino dos recursos com que foram contemplados nos acordos com o Planalto. Eles puderam destinar a seus feudos valores muito superiores aos que todos os parlamentares podem indicar através de emendas individuais, estas legais.
Participaram do esquema, montado para garantir a eleição dos presidentes das mesas do Congresso, o presidente da Câmara, Arthur Lira, o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o líder do Governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, entre outros tantos. Com a nata do bolsonarismo nutela envolvida, será impossível fazer o que devia ser feito, a instalação da “CPI dos garanhões do Orçamento”. O método é o mesmo, mas os de hoje não são anões, nem na estatura nem na gula, no volume dos recursos manipulados e desviados.
Há desvio sim, corrupção. Como vem demonstrando em sua excelente série de reportagens o repórter Breno Pires, os parlamentares desenvolveram uma paixão por tratores e máquinas pesadas, direcionando recursos da própria pasta para a compra delas, por valores até 259% superiores ao preço de referência do ministério. Teve trator de R$ 200 mil precificado a R$ 500 mil. Como se dá o desvio? Por acordo entre o parlamentar indicante e o fornecedor. Como no antigo caso das ambulâncias, como no caso dos anões do orçamento, que colocavam recursos para obras superfaturadas e depois recebiam uma “devolução” das empreiteiras.
O esquema fez da Codevasf a galinha dos ovos de ouro da turma. Incharam o orçamento da empresa criada para cuidar do desenvolvimento dos municípios do Vale do São Francisco. Agora só falta ela atuar no Sul, pois já estende tentáculos sobre a Amazônia, o Centro-Oeste e o Sudeste. E com isso, mais e mais parlamentares podem drenar verbas da empresa para suas bases.
Será uma vergonha histórica a não apuração e punição dos crimes do bolsolão, depois do impeachment de Dilma Rousseff por um golpe parlamentar: o crime de responsabilidade a ela atribuído, a tal pedalada, por todos os presidentes antes praticada, consistia simplesmente no pagamento de despesas federais pelo Banco do Brasil e a CEF, até que o Tesouro tivesse folga para reembolsar os dois bancos.
Mas nada faz crer numa CPI e muito menos no processo de impeachment. Nada a esperar do PGR. O TCU poderá, no máximo, rejeitar as contas do governo de 2020.
E vá dizer a um bolsonarista raiz que ele entregou-se ao fisiologismo que tanto renegou: em vez de cargos, entregou o orçamento. Vá dizer que existe corrupção no governo! Estão cegos, surdos e com bloqueio cognitivo.
Mas paira sobre todos o crime monstruoso na condução da pandemia para o morticínio, pela aposta desumana na imunidade do rebanho por contaminação, movimento liderado pelo próprio Bolsonaro. E deste, até agora, a CPI da Covid está cuidando com a promessa de que não haverá impunidade. Vamos crer.
Texto original em português do Brasil