Os discursos e ações do presidente em relação tanto à Amazônia quanto ao desenvolvimento nacional, são dúbios, incoerentes, com discursos retóricos e ações carentes de embasamentos. Isso porque ele se vale de uma noção de desenvolvimentismo, como se não houvessem modelos de desenvolvimento e, sobretudo porque a preocupação que ele demonstra com o desenvolvimento econômico da Amazônia, contrasta com sua postura negligente, neste quesito, com relação à todas as outras regiões do Brasil.
Em seu primeiro discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU, no dia 24 de setembro, Jair Bolsonaro disse que os índios “querem e merecem usufruir dos mesmos direitos de que todos nós” e que “infelizmente, algumas pessoas, de dentro e de fora do Brasil, apoiadas em ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas”. Disse ainda que comunidades que vivem na Amazônia “estão sedentas” para um desenvolvimento “sem amarras ideológicas ou burocráticas”, e aproveitou para alfinetar a França e a Alemanha, dizendo que são países que usam mais de 50% de seus territórios para a agricultura; “já o Brasil usa apenas 8% de terras para a produção de alimentos. 61% do nosso território é preservado!”, disse.
No dia 20 de setembro, apenas quatro dias antes deste discurso, o site The Intercept Brasil revelou, através da divulgação de documentos e áudios, um grande projeto do governo para a Amazônia, chamado Projeto Barão do Rio Branco. Os documentos obtidos mostram que o governo enxerga como opositores a este projeto, que prevê o incentivo a grandes empreendimentos: ONGs ambientalistas e indigenistas, a mídia, pressões diplomáticas e econômicas, mobilização de minorias e aparelhamento das instituições. “Na visão da gestão Bolsonaro, a população tradicional — indígenas e quilombolas — é um empecilho à presença do estado no local”, diz a matéria. Nenhuma organização indígena foi envolvida. Elas ficaram sabendo do projeto Barão de Rio Branco pela imprensa.
No dia 29 de setembro, o jornal O Globo apresentou um levantamento sobre as palavras mais presentes nos 147 discursos que Bolsonaro fez desde que assumiu. O resultado revela muito sobre sua concepção política e sua maneira de governar. Segundo o jornal, ele falou 126 a palavra Israel e apenas 32 a palavra Nordeste, citou a palavra “passado” mais do que a palavra “futuro”. Ainda segundo o levantamento “Elementos desconhecidos para muitos brasileiros, mas que se tornaram muito presentes em discursos desde a época da campanha eleitoral se destacam: os minerais nióbio (31) e grafeno (40), considerados pelo chefe de Estado como potenciais de enorme riqueza para o país. Os materiais, juntos, são mais citados pelo presidente do que a palavra Amazônia (56)”. Na análise do Globo não aparecem as palavras “desenvolvimento e emprego”.
Depreende-se disso que os discursos e ações do presidente em relação tanto à Amazônia quanto ao desenvolvimento nacional, são dúbios, muitas vezes incoerentes, com discursos meramente retóricos e ações carentes de embasamentos. Isso porque ele se vale de uma vaga noção de desenvolvimentismo, como se este fosse um conceito fechado e único, como se não houvessem modelos de desenvolvimento e, sobretudo porque a preocupação que ele demonstra com o desenvolvimento econômico da Amazônia, contrasta com sua postura negligente, neste quesito, com relação à todas as outras regiões do Brasil.
Diferente do que Bolsonaro parece imaginar, o conceito de desenvolvimento não encerra nenhum debate. Existem modelos de desenvolvimento que podem ser socialmente mais inclusivos ou que podem aprofundar desigualdades. Sua referência é o padrão europeu ocidental, baseado na Revolução Industrial. Mas, mesmo que este seja ainda um padrão dominante, não podemos pensar no crescimento hoje com os mesmos parâmetros de mais de duzentos anos atrás.
Já evoluímos muito desde então, tanto do ponto de vista econômico, quanto social e cultural.
A questão ambiental avançou. Após o surto desenvolvimentista pós Segunda Guerra Mundial a natureza deu sinais de alerta, abrindo caminho para um debate internacional que resultou na Conferência de Estocolmo, em junho de 1972, na capital da Suécia. A Conferência foi a precursora da Rio 92 e das e das Conferências da Partes (órgão supremo da ONU para tratar das mudanças climáticas). Embora o assunto demande uma visão crítica e política, ele deve ser compreendido e tratado com seriedade e não como uma paranoica teoria da conspiração.
Além disso, a concepção desenvolvimentista de Bolsonaro é um modelo capitalista que privilegia grandes indústrias e corporações. E a história mostra que as relações entre capital e trabalho empregadas nesta concepção, consolidaram uma classe operária precarizada, mal paga, explorada e vivendo nas periferias urbanas. Vale dizer que, desde a consolidação do trabalho industrial e de serviços, todas as melhorias nas condições de trabalho e de vida desta classe operária resultam de lutas sindicais, que também são atacadas por Bolsonaro.
Isso tudo já seria contestável se estivéssemos falando sobre um projeto de governo para o país. Mas é ainda pior quando percebemos que se trata de mera falácia, reativa às críticas (justas) que o presidente recebe. Quando olhamos para o quadro geral vemos que, na verdade, Bolsonaro só reforça a ideia de desenvolvimento quando fala em Amazônia. Como mostrou o levantamento de O Globo, as palavras “desenvolvimento e emprego” são tão raras em suas falas que mal apareceram na nuvem de palavras gerada a partir da compilação de seus discursos.
Até mesmo no dia do trabalhador, 1º de maio de 2019, quando esperava-se que, em seu pronunciamento em cadeia nacional, o presidente desse alguma esperança aos 13,4 milhões de brasileiros desempregados e outros tantos milhões mal empregados, sem direitos, Jair Bolsonaro não falou em emprego, em trabalhador e falou apenas uma vez a palavra trabalho, quando disse “É o meu compromisso com você neste Dia do Trabalho”.
Como ele pretende inserir no mercado de trabalho a população amazônica, os quilombolas e indígenas, se não apresenta nenhum projeto nacional de desenvolvimento e geração de empregos?
Se o governo estivesse realmente preocupado em construir uma política responsável ambiental, econômica e socialmente na Amazônia, deveria se preocupar em ouvir as mais diversas vozes envolvidas: os ambientalistas, os indígenas, os cientistas, os empreendedores e os representantes políticos locais. Só assim ele teria condições de propor caminhos que proporcionassem à população local “os mesmos direitos de todos nós”.
Mais do que isso, o presidente, que falou sobre os “direitos de todos nós” na ONU, se estivesse realmente preocupado em governar para o bem do Brasil, deveria zelar por estes direitos, ao invés de liquida-los. Zelar pelos direitos trabalhistas, tão caros à sociedade nos processos de crescimento econômico, que o presidente usa como argumento mesmo sem base para tanto. E tão ou ainda mais caros nos períodos de retração, que é a realidade do Brasil de Bolsonaro.
Ele que disse que os indígenas “querem e merecem usufruir dos mesmos direitos de que todos nós”, está, na verdade, agindo para que o povo tenha cada vez menos direitos. Assim, em sua visão, parece de fato agir para igualar os povos amazônicos aos trabalhadores brasileiros. Não na dignidade, emancipação e ascensão social, mas na medida mínima dos direitos. Infelizmente, ele teima em nos tratar como verdadeiros homens das cavernas.
por João Carlos, Juruna, e Mônica Veloso | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial Rádio Peão Brasil / Tornado
- Juruna, Secretário-geral da Força Sindical e vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo
- Mônica Veloso, Presidente do Comitê de Mulheres da IndustriAll e Vice Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco