“E quem sabe estimulando o relaxamento da quarentena, ainda que o substituto Nelson Teich defenda o isolamento. Crescem assim as contas que Bolsonaro terá de acertar com a História”
O discurso de Bolsonaro ao presentar o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, deixou claro que ele está cometendo o desatino de trocar o comando da pasta em momento agudo da pandemia só tem um objetivo: lavar as mãos em relação à inevitável recessão e ganhar o atestado de defensor dos empregos para apresentar na eleição de 2022. E para isso, que as vidas fiquem em segundo lugar.
A média de 200 mortos por dia esta semana indicou claramente que estamos caminhando para o pico da Covid 19 no Brasil. E nesta hora, a decisão de Bolsonaro informa que ele tem pouco apreço por nossas vidas, nomeando um ministro que concorda com a flexibilização do isolamento social, em nome de um suposto equilíbrio entre preocupação com a saúde e com o emprego.
O inevitável lapso de gestão que haverá agora no ministério impactará todas as ações iniciadas por Mandetta, atrasando a aquisição de equipamentos, a ampliação da testagem e quem sabe estimulando o relaxamento da quarentena, ainda que o substituto Nelson Teich defenda o isolamento. Crescem assim as contas que Bolsonaro terá de acertar com a História.
Não sei se o oncologista Teich tem experiência no setor público. Se ele não sabe o que é pilotar uma máquina pública, estamos fritos. Ele levará algum tempo para conhecer a gigantesca máquina da Saúde e a capilaridade do SUS, terá de remontar o segundo escalão, que está indo embora com Mandetta, terá que tomar pé do andamento das ações em curso. Esta conversa de transição civilizada é para boi dormir. Os que estão saindo vão lhe passar informações, o organograma da pasta e vão se embora. Estão cansados, como disse ontem o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira.
Há processos de compra em curso, há medidas sendo tomadas para socorrer as secretarias estaduais de saúde, há um número de processos que sofrerão algum atraso ou interrupção. Enfim, ele passará alguns dias aprendendo onde estão os pedais e como são passadas as marchas. E agora, para ter êxito como sanitarista, ele teria que atuar em alta velocidade, pois estamos numa corrida contra a escalada das mortes. Mas como evitará a piora do quadro, concordando com a flexibilização do isolamento num “prazo razoável”.
Para aceitar o cargo, Teich é muito corajoso ou não sabe o tamanho do desafio que tem pela frente. E o desafio principal será lidar com Bolsonaro. Na entrevista à Veja Mandetta falou um pouco sobre a ciclotimia do presidente bipolar: “Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda, depois muda de ideia e fala tudo diferente. Você vai, conversa, parece que está tudo acertado e, em seguida, o camarada muda o discurso de novo. Já chega, né? Já ajudamos bastante”. Teich também vai experimentar isso.
Bolsonaro disse ter lhe falado que sua preocupação é com a vida mas também com os empregos. Que os mais pobres não podem ficar muito tempo em casa. Que é preciso garantir uma volta à normalidade no tempo mais curto possível. Que o isolamento tem que ser flexibilizado. Como ele concordou, estamos feitos.
A preocupação em eximir-se da responsabilidade pelos efeitos econômicos apareceu o tempo todo na fala de Bolsonaro um Bolsonaro tenso, de boca crispada. “Se porventura exageraram, não botem mais esta conta nas contas do governo federal, e sobretudo não botem esta conta nas costas do sofrido povo brasileiro”.
E vieram as mentiras: “Estávamos praticamente voando ultimo trimestre do ano. Tudo estava indo muito bem na economia”. Como, cara pálida, com o pibinho de 2019, com a disparada do dólar e com a fuga de capitais, com o desemprego estavelmente alto?
“Os excessos que alguns cometeram, que se responsabilizem”, disse ainda Bolsonaro.
Ou seja, ele dá este passo perigoso apenas para poder dizer, mais à frente e sobretudo em 2022, que ele ficou contra todos, e até demitiu Mandetta, para defender os empregos. Mas que já era tarde, que o ministro, os governadores e os prefeitos já haviam causado o estrago econômico com o isolamento.
Mas a conta, para Bolsonaro, vem muito antes de 2022. Virá com o aumento das mortes nos próximos dias.
Já o novo ministro fez um discurso balbuciante, que não causou boa impressão. Pelo menos a mim. Concordou com a preocupação do novo chefe com o emprego, dizendo que economia e saúde não são antagônicas, mas complementares. Mas com o coronavirus, não tem conciliação. Ou há isolamento, e isso afeta a economia, ou a pandemia se alastra, mata em massa e neste quadro também não haverá economia que resista.
Falou em fazer tudo de “forma técnica e científica”, apropriando-se do discurso que deu alta aprovação a Mandetta. Falou em testagem em massa, mas se isso fosse possível, Mandetta teria feito. Não temos testes. Países estão brigando por testes. O que o novo ministro fará é a flexibilização. E aí, podemos repetir a Itália e os Estados Unidos.
Texto original em português do Brasil
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