Ouviu também advertências severas de dirigentes do próprio Partido Trabalhista.
Agora, é o Prof. Lindley-French (a mais importante referência britânica da geopolítica e, entre outros, titular da cátedra Eisenhower e Vice-President, Atlantic Treaty Association) que lhe dirige uma “carta aberta” que, além de um sério aviso, é um verdadeiro tratado de história, relações internacionais e… boas maneiras.
Devon, Inglaterra, 20 de Abril de 2016
Caro presidente Obama,
Tal como o Senhor, aceitei que a Grã-Bretanha, por uma questão de equilíbrio, deveria manter-se como membro da União Europeia. Presumo que as minhas razões estarão em linha com as suas por uma questão de estratégia racional; no momento em que o ocidente está à beira do precipício de um potencial e profundo abismo de risco, ameaça e perigo, é vital que o Ocidente preserve a sua unidade e a comunhão de objectivos. Esta semana iremos encetar, aqui na Inglaterra onde nasci, o debate sobre o Brexit. Deveremos ser cuidadosos e conduzi-lo este debate respeitando as questões da história, poder, Liberdade, governabilidade e identidade da Grã-Bretanha enquanto membro da EU.
E estamos a entrar na disputa daquela que é a mais fracturante questão eleitoral de que tenho memória na minha longa história.
Daí que o seja vital que o senhor acerte o tom, o conteúdo e sem dúvida o respeito por forma a evitar que lhe digam de forma directa até onde os “Yanks” podem ir no que respeita as ingerências.
Em primeiro lugar, o senhor está a ingerir-se nos assuntos internos de uma democracia estrangeira. Contudo, se há um chefe de estado estrangeiro que tem o direito de intervir, esse é o Presidente dos Estados Unidos da América. Os nossos dois países partilham um elo único. Além do mais, o senhor tem legitimidade para afirmar o interesse nacional americano.
Sem dúvida que a política americana de apoio da UE é do interesse dos próprios EUA, ainda que alguns dos membros da sua Administração mais equivocados confundam a fantasia política de uns Estados Unidos da Europa com os próprios Estados Unidos da América. No entanto, Sr. Presidente, não tente dar-nos lições quanto ao interesse nacional britânico, que apenas a nós diz respeito.
Em segundo lugar, a relação estratégica especial entre Americanos e Britânicos está alicerçada no Poder e opera em patamares de influência muitas vezes abaixo dos radares dos observadores.
Contudo, a Grã-Bretanha não é um interesse estratégico para os Estados Unidos e o Senhor assim o deve entender. Deve respeitar o facto de que a Grã-Bretanha é a 5ª maior economia mundial e um actor militar posicionado entre os cinco de topo.
Algumas análises (Goldman Sachs) sugerem que em 2030, a Grã-Bretanha possa ser a maior economia da Europa. Para além do mais, tendo em conta os 178 mil milhões de Libras investidos em novos equipamentos militares, será a maior potência militar da Europa e daí o seu mais forte aliado. Deve, por isso, Sr Presidente, reconhecer a importância desta relação no interesse do seu próprio país.
Em terceiro lugar, a Democracia está em perigo, na Europa , e o Senhor deve ser o primeiro a reconhecê-lo. Em especial, deverá evitar a insistência para que os Britânicos aceitem um modo de governação que os Estados Unidos e o seu povo não aceitariam. A União Europeia tornou-se demasiado distante e demasiado remota em relação aos seus cidadãos. É dirigida por uma elite de “nós ´+e que sabemos” que interpreta os tratados europeus de uma forma que maximiza o seu poder às custas e em detrimento do interesse dos estados-membros legítimos que os subscreveram.
De facto, na sua intervenção o Senhor deverá (e insisto no uso de “deverá”) afirmar o seu apoio ao povo destas ilhas estratégicas e a todos os que desejam regressar à verdadeira Democracia na Europa.
Em quarto lugar, senhor Presidente, recorde quem somos. Nós, os ingleses, lutamos contra tiranos ao longo de séculos. Criámos o mundo moderno, pelo menos tanto quanto os americanos. Pagámos a Liberdade e a Democracia na Europa com o nosso sangue e com o uma gloriosa geração de jovens americanos, canadianos e outros. Através da nossa língua, da nossa cultura e das nossas instituições que demos ao mundo, o nosso “poder brando” no mínimo condiz com o vosso. À semelhança de muitos britânicos, estou disponível para ajudar a Europa a alcançar tempos mais favoráveis, como parte da nossa comunidade transatlântica. Porém, nunca me sujeitarei a uma União Europeia arbitrária e aos seus Euro-Mandarins, e o Senhor deverá não só aceitar como acompanhar-me nesse desígnio pela reforma da Europa.
Por isso, Senhor Presidente, esta semana, quando se levantar para falar, reconheça a honra de quem somos, respeite-nos por aquilo que atingimos, defenda a nossa Liberdade e as nossas liberdades antigas e reconheça as preocupações de milhões de nós em relação à Europa. Pode recordar-nos pelo que somos e pelo facto de nunca termos fugido a uma luta pela Europa e que não nos podemos permitir tal coisa. Acima de tudo, Senhor Presidente, evite a hipocrisia do “façam o que eu digo, e não o que eu devia fazer”.
E ainda, Senhor Presidente, – entenda a importância deste momento e a necessidade de uma criteriosa escolha das suas palavras. Vai chegar a um país dividido pelo referendo de 23 de Junho. Em tempos menos civilizados, não seria irrazoável assumir que este debate poderia ter conduzido a uma segunda guerra civil inglesa (e sublinho inglesa). Ao fim e ao cabo, muitas das questões que levaram, entre 1642 e 1649, Oliver Cromwell e o Parlamento a lutar pelo fim do poder arbitrário e não resultante de eleições do Rei Carlos I , evidenciam a forma como os Ingleses vêem o poder.
Em 1776, o seu próprio povo revoltou-se contra o governo imperial e arbitrário por parte da Inglaterra e criou os Estados Unidos da América. Esta Revolução Americana foi, em muitos aspectos, a continuação da Guerra Civil Inglesa e da Gloriosa Revolução Inglesa de 1688. O vosso grande Presidente Lincoln um dia falou em poder para o povo, do povo e pelo povo, e estes são os mesmos princípios que estão em causa no debate do Brexit.
Honre estes princípios e nós ouvi-lo-emos. Abandone-os e nós questionaremos o que aconteceu, enquanto nação, aos princípios que os vossos Fundadores inscreveram na vossa magnífica Declaração de Independência.
Não erre, Senhor Presidente!
Com respeito sincero,
Julian Lindley-French
Devon, England, quarta-feira, 20 de Abril de 2016