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Terça-feira, Novembro 5, 2024

De como uma “brincadeira de jovens cinéfilos” se converteu numa mostra imprescindível

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Começou no sábado passado e termina depois de amanhã a 25ª edição do Festival Curtas de Vila do Conde. Aquilo que começou por ser uma aventura cinéfila de meia dezena de jovens vila-condenses é, desde há muitos anos, uma mostra de referência da curta-metragem com grande reconhecimento internacional.

A edição que está a decorrer é jubilar. 25 edições é, de facto, forte motivo para a comemoração de um percurso que merece ser lembrado e continuado.

E por isso, a edição de um livro sobre os 25 anos do Festival e a inclusão no programa de uma secção em que são exibidos filmes de outras edições escolhidos por 25 personalidades com forte ligação ao Curtas.

A Direcção do Festival deu “carta branca” a nomes da comunicação social e da crítica cinematográfica, mas também da música e profissionais do cinema, – nomes como, e apenas a título de exemplo, João Lopes, José Vieira Mendes, Jorge Mourinha, Inês Meneses, Rodrigo Affreixo, Ricardo Alexandre, Marcos Cruz, Manuela Azevedo, Adolfo Luxúria Canibal, Miguel Gomes, ou Rui Poças – para escolherem um filme para ser revisto este ano. E, por essa via, encontramos no catálogo do 25º Curtas obras de Manoel de Oliveira, Federico Fellini, Jean-Luc Godard, Tim Burton, Maya Deren, Artavazd Pelechian, Chris Marker, Hal Hartley, Miguel Gomes, Matthias Müller, Man Ray, Gus Van Sant e João Pedro Rodrigues, entre outros.

Na sessão de abertura tivemos uma longa. Sim, no Curtas de Vila do Conde também há lugar para longas. A este propósito recorde-se que há dois anos este foi o ecrã de estreia do tríptico de Miguel Gomes “As mil e uma noites”. Os filmes deste formato passam no ciclo “Da Curta à Longa” que este ano integrou “Certain Woman”, o novo trabalho de Kelly Reichardt, “24 Frames”, o filme póstumo de Abbas Kiarostami, a estreia mundial de “Mariphasa”, de Sandro Aguilar e “The General” comédia muda de Buster Keaton com banda sonora ao vivo da Atlantic Coast Orchestra, um projecto inovador composto por jovens músicos conduzidos pelo maestro Luis Miguel Clemente. “O Outro lado da esperança” de Aki Kaurismaki foi o filme que pôde ser visto a seguir à cerimónia protocolar, mas bastante informal, em que falaram um dos directores do Festival, Nuno Rodrigues, o Vice-presidente do ICA e a Presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde.

“O Outro Lado da Esperança” é o segundo de três de filmes que o “mais português dos cineastas finlandeses” dedica à temática dos refugiados. O primeiro foi “Le Havre” e o terceiro ainda está para vir.  Prémio da melhor realização no Festival de Berlim deste ano, “O outro lado da esperança”, a que fizemos brevíssima referência num dos textos enviados de Karlovy Vary, acompanha duas histórias que se entrecruzam por ironia do destino. A de um jovem refugiado sírio que perdeu praticamente toda a sua família e que chega a Helsínquia como passageiro clandestino à procura de asilo e a de um homem finlandês de meia-idade, um tipo de bom coração, vendedor de camisas, que muda a sua vida e depois de ganhar dinheiro no póquer abre um restaurante aparentemente sem grande futuro. O filme, pelo qual perpassa o humor tão característico das obras de Kaurismaki, é um excelente hino à solidariedade e humanidade. Afinal ainda há esperança num mundo melhor…

Vila do Conde tem habitualmente a retrospectiva integral de um cineasta. A deste ano é dedicada ao francês F. J. Ossang, também poeta, escritor e cantor. Cineasta de culto, marcado pelo cinema mudo e pelo expressionismo, um pouco marginal aos principais circuitos de exibição, mas presente em festivais como La Rochelle, Bienal de Veneza, Quinzena dos Realizadores de Cannes, e Roterdão, entre outros. Em 2007 conquistou o Prémio Jean Vigo de curta-metragem com “Silencio”.

Mas, um dos pontos mais marcantes da mostra da foz do Ave é, obviamente, a competição. Na internacional Têm vindo a ser exibidos 37 filmes, na nacional, 16 e na experimental,  24. Jia Zhang Ke, Nele Wohlatz Julia Pott, Salomé Lamas ou João Salaviza são alguns dos nomes que assinam obras de animação ou com figuras reais, ficções ou documentários, fantasias criadas pela imaginação dos seus autores ou retratos do mundo em que vivemos, vindos de inúmeros países dos quatro cantos do mundo, da Argentina ao Irão, da Síria ao Canadá, passando obviamente por Portugal.

O Curtas tem também um forte programa musical, na secção ‘Stereo’ com a Atlantic Coast Orchestra, Chassol, Capitão Fausto, Mão Morta, Evols e Pega Monstro. O ‘“Curtinhas’ é uma área dedicada aos mais pequenos.

Uma referência ainda para a exposição “Terra” (que foi inaugurada ainda antes da sessão de abertura e na qual estão patentes obras/instalações de Pedro Neves Marques, Joana Pimenta, Gabriel Abrantes, Priscila Fernandes, Lúcia Prancha e Mariana Caló), para o Panorama do Cinema Europeu, para o Workshop Crítica de Cinema e para o espaço de Debate no qual, por exemplo, Leonor Teles (“Balada de um Batráquio”) e Diogo Costa Amarante (“Cidade Pequena”) já falaram de um ‘Manual de Instruções para ganhar um Urso de Ouro’.

E para finalizar, uma nota que deve ser sublinhada: a importância da estrutura e do trabalho do Curtas na afirmação internacional do cinema português. São de facto inúmeros os filmes saídos daqui e que têm conseguido arrebatar importantes prémios nos principais festivais europeus.

Votos de longa vida para o Curtas de Vila do Conde!

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