Em 7 de agosto de 2021, Caetano Veloso vive para o Brasil e para o mundo os seus 79 anos. Já?! É o nosso maior espanto.
Hoje, no Brasil, temos vivido tanta coisa ruim, tanta desgraça sob o fascista Bolsonaro, que nos negamos à felicidade histórica da nossa gente. E temos tantas razões para cantar a humanidade brasileira. E na música popular, meu Deus, como podemos nos negar à celebração de louvar o que bem merece ser louvado? Temos tantas razões, de Paulinho da Viola a Chico Buarque, de Gil a Djavan, de Maria Bethânia a Caetano Veloso!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Sim, perco o estilo para não perder as exclamações!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Ainda ontem, na casa do meu filho, ao ver Caetano na televisão, no YouTube, eu falei: “Acreditam? Vai para 79 anos”. E meu filho: “Está muito lúcido”. E depois tentamos dançar, eu e a senhora Francêsca na sala do apartamento, o Reconvexo. Ela, particularmente, estava eufórica com a música.
Então, para não passar em branco, logo nós que somos mulatos, negros, misturados com toda a mistura do povo brasileiro, digo que nesse dia 7 de agosto aniversariam Caetano Veloso e André Cintra. Caetano, aos 79. André, aos 41. Caetano, o artista absoluto. André, o jornalista total. Então eu, que estou mais perto de Caetano pela idade, falei para André Citra que nós éramos da mesma geração, num elogio duplo: para ele, que aos 41 possui a maturidade da minha idade. Para mim, que perto dos 71 me sinto com os 41 de André. Pela sonhada força da sua idade.
E para dar mais sustança a este artigo ligeiro, copio um reflexo da importância fundamental de Cateano em uma página do romance “A mais longa duração da juventude”. No tempo da ditadura no Recife era assim:
“– Hum. Quem é maior? – respondo sem entender a pergunta.
– Caetano Veloso, é claro. Está dormindo? – Ele volta.
– Eu? Nada. Sim, Caetano Veloso é bom – falo.
– Ele não é bom. Ele é o melhor compositor da música popular brasileira – Vargas responde.
– Não, aí é demais – falo. – Olhe, já é uma batalha gostar de Caetano. Mas ver Caetano como o melhor é demais.
– Eu gosto de Caetano Veloso – Alberto fala. – Ele tem umas coisas boas.
– Boas?! – Vargas se exalta. – Ele é o melhor compositor da música brasileira…. – “de todos os tempos”, ele ia dizer. Hoje percebo que se conteve com uma modéstia do Barão de Itararé, que ia se chamar de Duque mas baixou o título para Barão. E continuou Vargas: – É o melhor! Caetano Veloso é o melhor compositor do tempo da revolução.
Olho em volta e percebo que nas mesas vizinhas se faz um silêncio. Todos nos escutam, concluo. Assuntos de música popular, no Brasil, são os que mais despertam interesse, depois do futebol. Mas na ditadura falar na altura da voz de Vargas, usando a palavra ‘revolução’, é demais. Nelinha lhe toca o braço e sussurra ‘cuidado’. Ele sorri:
– Tranquilo, minha santa. Estou falando de cultura.
– Estamos falando sobre música, não tem problema – Alberto fala.
– E tudo é revolucionário, não é? – Vargas completa. – O cinema de Glauber é revolucionário, a juventude é revolucionária, tudo é revolucionário. Menos Chico Buarque.
Todos riem. Ocorre o que às vezes se chama brincar com o perigo. Zombar do abismo. Mas na hora o que me ocorre é o cometimento de uma injustiça.
– Eu não acho – falo. – Chico, para mim, é o melhor compositor de música popular brasileira hoje. Ele tem uma poesia que não tem Caetano. Chico é de fazer música, não é de dar espetáculo. Caetano é escandaloso, entende?
– A revolução é um escândalo! – Vargas quase grita. Alberto ri, Nelinha sorri para o companheiro, que se vê estimulado. – Chico é o compositor de Carolina, Januária na janela. É o poeta dos olhos verdes das meninas. Isso é revolucionário? Preste atenção: a música de Chico é o passado. Ele é um compositor de 1960 pra trás.
– Olhe… – eu queria dizer, se compreendesse então, que Chico ligava a tradição à música de 1970, assim como Paulinho da Viola fez essa ligação como samba. Mas há um tempo em que possuímos o sentimento, mas não encontramos as palavras, que ainda não nos chegaram pela experiência. Então arquejo, como um náufrago, diante da catilinária. – Olhe, você quer poesia melhor que … – e tento cantarolar “se uma nunca tem sorriso, é pra melhor se reservar…” – que “a dor é tão velha que pode morrer”, hem? – E baixo a voz: – Chico é a esquerda do futuro.
– Ele não é nem do presente – Vargas responde. – Que dirá do futuro. Preste atenção, muita atenção: “sei que um dia vou morrer de susto, de bala ou vício”. Escutou? Esta é a música de agora, dos jovens revolucionários de hoje.
– Isso não é de Caetano. É de Gil, Torquato e Capinam – falo.
-De Gil? – Vargas responde. – Não importa. Está no disco de Caetano. Ele fez da música um hino revolucionário. Isso é o que importa”.
Então para Caetano Veloso, digo que ele não tem 79. Ele tem 20, 30, 40, 50, todas as idades da sua feliz arte. Para André Cintra, escritor e jornalista, digo que sem ele os nossos textos no Vermelho seriam menores e menos eloquentes. Todos editados somos gratos por sua vida e trabalho, André. E sobre Caetano Veloso me ocorre sem nem refletir: quantas vezes divergimos, e quantas vezes aprendemos com ele na discordância? Ele, que é sempre o artista imbatível na polêmica, com uma dialética complexa que nos força a pensar. Ele, que sabe amar e cultivar os excluídos de todas as maneiras. Ele, o permanente rebelde. Enfim, como São Jorge cantamos no tempo dos 79 anos: Caetano Maravilha, nós gostamos de você. Muito!
Texto em português do Brasil