Sarah tem 25 anos e passou um ano e meio a trabalhar com os refugiados de Calais, chegou lá na altura que havia mais de 10 mil refugiados.
Estima-se agora que cerca de 700 refugiados permaneçam na área de Calais. Desde o início, as organizações não-governamentais tentam garantir o essencial de alimentos, roupas, higiene e geradores. Alguns também tentam fornecer conselhos e informações jurídicas aos refugiados de Calais.
Eu estava sentada a tomar chá com um dos refugiados quando percebi que ele tinha apenas sandálias e uma meia. Tirei uma das meias que tinha calçada e dei-lha. Estávamos no meio do inverno. Depois de alguns meses, ele encontrou-me via Facebook e enviou-me uma foto da meia, uma das poucas coisas que ele tinha do tempo em Calais”.
Sarah sorri tristemente enquanto se lembra do seu tempo em Calais.
todos os dias havia notícias piores do que no dia anterior. Quando pensamos que não pode piorar, enganamo-nos. A única coisa que podemos fazer é continuar a trabalhar”.
A organização de Sarah enfrenta dificuldades financeiras, todos são voluntários e jovens, Sarah e seus colegas remam contra a maré, mas com determinação.
No inverno, a situação complica-se com o frio e a chuva que bate as tendas que nunca são suficientes para todos. Homens, mulheres e crianças em estado de emergência desde 1999 e cujo pico foi atingindo em 2016. Após o desmantelamento de 2016, o acampamento que havia crescido numa pequena floresta perto da entrada do Túnel do Canal da Mancha e da área portuária de Calais já não é chamado acampamento ou selva. Hoje as tendas, barracas e outros abrigos improvisados estão espalhados.
Quem são os refugiados de Calais?
Os refugiados de Calais fugiram da guerra, da fome e da perseguição nos seus países de origem, na esperança de uma vida melhor e mais segura na Europa. Mas o que eles descobriram no dia-a-dia foi a brutalidade policial, situações precárias de vida e incerteza sobre se irão ter direito de asilo ou ver as suas famílias novamente. A maioria veio do Afeganistão, Etiópia, Eritreia e Sudão.
Como Sarah nos diz:
a maioria deles queria ir para o Reino Unido porque têm família ou amigos lá, porque já falam inglês, ou porque podem encontrar um emprego lá. Eles não querem viver de subsídios, eles querem reconstruir a vida deles.”
Este testemunho foi comprovado pela primeira pesquisa de refugiados pela Refugee Rights Europe em Outubro de 2017 – 92% responderam que não queriam ficar em França, mas sim atravessar o Canal e ir para o Reino Unido.
Em 2017, e depois de reclamações de organizações humanitárias, o governo francês forneceu apenas algumas casa de banho portáteis e acesso a pontos de água o que é insuficiente e não dá nenhuma dignidade a estes refugiados que ainda a viver em condições desumanas.
Os refugiados em Calais não encontram abrigo e continuam a dormir ao ar livre, incluindo famílias com crianças pequenas.
“Todos sofrem de distúrbios psicológicos, os traumas, a brutalidade a que foram e estão expostos são extremamente violentos”, diz Sarah.
Macron e a sua nova política
O principal objetivo do governo francês é eliminar os chamados fatores de atração e forçar os migrantes a deixar o país o mais rápido possível.
Apesar dos protestos de ONGs, advogados e da greve de juízes do Tribunal Nacional de Asilo Francês no início de 2018, a nova lei governamental sobre migração foi aprovada e ampliou o período de detenção para estrangeiros que aguardavam a deportação de 45 para 90 dias. Além disso, o tempo disponível para pedir asilo desde a chegada à França foi reduzido para 90 dias, e até um ano de detenção foi estabelecido para aqueles que atravessam ilegalmente os Alpes. A nova lei também dá mais poder à polícia, permitindo que eles mantenham os migrantes indocumentados sob custódia por até 24 horas, em vez das dezesseis anteriores.
Sob nenhuma circunstância vamos permitir que a selva (acampamento) retorne”
O Presidente Macron, numa tentativa de se distanciar da má conduta humana (incluindo acusações da Human Rights Watch), visitou Calais em 2018 e disse a uma multidão silenciosa de polícias: “Vocês devem ser exemplares e respeitar a dignidade de cada indivíduo. Se houver falhas, serão sancionados na proporção da confiança que temos em vocês.” De acordo com os jornais franceses, o público não aplaudiu.
Macron criticou os voluntários por ajudarem os migrantes, que na sua opinião encorajaram “esses homens e mulheres a se estabelecerem ilegalmente”, ao que ele acrescentou: “Sob nenhuma circunstância vamos permitir que a selva (acampamento) retorne”.
Sarah diz que a maioria dos refugiados tenta organizar-se e encontra uma “boleia” num caminhão para atravessar a fronteira.
O tribunal
Em Paris, a cerca de 300 km de distância, Maître Ouled (advogada) corre para outra audiência, é no escritório dela que Sarah está a estagiar. Ambas terminaram uma reunião com mais um cliente afegão.
… “e então você foi torturado, pode contar dizer exatamente como? …” Maître Ouled repete uma pergunta que se tornou quase uma rotina, “sim, eles levaram-me …” o jovem relata os acontecimentos, a tortura e mostra as cicatrizes e marcas que ele tem em todo o corpo. Maître Ouled ouve histórias como esta dia após dia:
“É muito difícil ser um advogado de refugiados, o preço emocional é enorme e muitos dos meus colegas estão desistindo, a nova lei é desumana”.
Muitos afegãos que chegam à França viram o pedido de asilo recusado na Alemanha. De acordo com os tribunais alemães, não há perigo imediato ou perigo de vida no Afeganistão, nem há problemas de direitos humanos e, portanto, eles podem retornar “com segurança”. Curiosamente, no entanto, o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão parece ter uma visão diferente quando se trata da segurança e integridade física dos cidadãos alemães e os adverte para evitar viajar para o Afeganistão. Empurrados de país em país, a França pode não ser o último destino e muitos dos refugiados serão deportados.
As ruas de Paris, a cidade onde entrevistei Sarah, estão cheias de pessoas que moram na rua embaixo de pontes e se amontoam nas estações do metro durante o dia. O escritório de advocacia é inundado com telefonemas de novos clientes, requerentes de asilo com histórias desoladoras.
Alguns dos advogados com quem falei nos últimos meses têm depressão, abandonam a profissão, sofrem de cansaço continuo, sentem-se exaustos e um sofreu um ataque cardíaco.
Quando tens uma consciência, um coração, este trabalho devora-te. Tens que focar-te caso a caso, e mesmo assim, é muito difícil. No momento em que paras de sentir, é o momento em que deves parar de trabalhar nestes casos “.
Os governos precisam abordar a fonte dos conflitos que são as causas da chamada crise de refugiados, caso contrário, o horror nunca terminará.