Para se ter uma outra perspectiva destes números talvez mereça a pena referir que com estes níveis de abstenção os 60,7% da vitória de Marcelo Rebelo de Sousa resumem-se a uns tristes 23,6% do total de eleitores…
A abstenção voltou a ser o primeiro tema destas presidenciais, quando bem antes do fecho era já evidente que pela terceira vez consecutiva ultrapassaria a percentagem de votantes; independentemente do que se diga sobre a composição dos cadernos eleitorais (foram acrescentados automaticamente 1,2 milhões de novos eleitores recenseados no estrangeiro) ou sobre a conjuntura sanitária, menos 500.000 votos que nas presidenciais de 2016 (4.261.209 contra 4.740.558 há cinco anos) e mais de 60% de abstenção é um valor demasiado elevado, depois de nas últimas legislativas termos atingido o valor recorde de 45,5%.
Para se ter uma outra perspectiva destes números talvez mereça a pena referir que com estes níveis de abstenção os 60,7% da vitória de Marcelo Rebelo de Sousa resumem-se a uns tristes 23,6% do total de eleitores e que a maior percentagem se concentra no interior nordeste, com os distritos de Lisboa, Porto e Setúbal a registarem a percentagem mais baixa, que ainda assim a rondou uns enormes 50%.
Por outro lado, desde o fecho das eleições presidenciais que não têm faltado análises e comentários aos resultados…
…começando logo pelo triste espectáculo proporcionado por líderes partidários a comentarem, na própria noite, sondagens e resultados.
Todos em bicos dos pés para aparecerem como os obreiros de uma vitória anunciada, mas silenciosos, por interesse ou simples incapacidade, para explicarem os resultados.
Para quem tenha visto uma grande revolução no resultado alcançado por André Ventura apenas recordo que o populista da extrema-direita se quedou longe, muito longe, doutro populista, moderado e afável, que continua a fazer manchetes diárias. Claro que, no geral, a comunicação social, sempre ávida da melhor e mais bombástica manchete, os adora e usou-os bem durante o período da campanha e da pré-campanha; mostrou-os mais que todos os outros e, como sempre, destacou o barulho das luzes em detrimento da informação – e para os mais distraídos e esquecidos este é que devia ser o principal papel da comunicação social – área onde, sem margem para dúvidas, todo o destaque deveria ter pertencido a João Ferreira, o candidato que mais e melhor trouxe à campanha a verdadeira questão em torno da função presidencial: a leitura, interpretação e defesa da Constituição da República.
Integrando o grupo dos candidatos partidários, com André Ventura, Marisa Matias e Tiago Mayan Gonçalves, que em última instância concorrerão mais para aglutinar eleitorado que com o objectivo de alcançarem a eleição, destacou-se pela seriedade do trabalho, já que Marisa Matias e Tiago Mayan Gonçalves se dispersaram mais por questões de natureza política.
Não incluo neste grupo a candidatura de Vitorino Silva, apoiado pelo RIR que o próprio fundou e lidera na sequência da candidatura pessoal às presidenciais de 2016 onde obteve 152.000 votos, dada a reduzida expressão da implantação do partido – pouco mais de 35.000 votos nas últimas legislativas – e ainda pelo reduzido efeito no debate político
Voltando às tiradas mais interessantes da noite para recordar a mais absurda das teses: a de que André Ventura e o Chega conquistaram votos entre o eleitorado do PCP; a julgar por um trabalho do investigador de Ciência Política António Luís Dias, o voto em André Ventura concentrou-se nos concelhos do interior do país…
… sendo que na região do Alentejo esses são precisamente os concelhos onde o PCP vem perdendo eleitorado há décadas…
…e o mesmo se podendo dizer das regiões interiores do norte e centro, onde PSD e CDS também têm registado maior erosão.
Parece então provado que foi a menor penetração no litoral e nos grandes centros urbanos, regiões com maior peso eleitoral e aquelas onde Ana Gomes registou a maior concentração de votos, que ditou o resultado final, o que não só reduz a um rigoroso absurdo a alegria de Rui Rio e a gabarolice do apoio à vitória de Marcelo Rebelo de Sousa, que aquele investigador demonstra dever-se a transferência de votos de eleitores do PS, como a alarvidade de André Ventura, porque um e outro, com as devidas nuances, revelam um desbragado gosto por um populismo com o qual procuram disfarçar o facto do PSD continuar sem conseguir formular um discurso consistentemente alternativo às políticas do PS e por André Ventura não consubstanciar as frases feitas que grita à mingua de verdadeiros argumentos.
Depois disto, que dizer da extrapolação dos resultados de umas eleições presidenciais com vista a antecipar os de umas próximas legislativas?
Apenas que umas e outras obedecem a lógicas próprias e distintas, fazer aquela extrapolação equivale a considerar os eleitores como entidades desprovidas de capacidade de análise e de vontade própria, apenas capazes de reproduzir o que lhes tenha sido inculcado pelas estruturas partidárias; se assim fosse e considerando a votação nas últimas legislativas dos três partidos que apoiaram, formal ou informalmente, a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, este deveria ter obtido (ponderado o aumento da abstenção) mais 500.000 votos que os que alcançou.
Só nas próximas legislativas é que em boa verdade poderemos aferir o valor eleitoral da nova direita e o desgaste da esquerda.
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