Os escritos deste pensador que faria 120 anos neste domingo (30) preenchem mais de 8500 páginas impressas e ajudaram aos brasileiros a se conhecerem melhor.
“O melhor do Brasil é o brasileiro” – o autor desta frase foi um escritor que dedicou sua vida e extensa obra a conhecer intimamente o povo de nossa terra, e ajudá-lo a conhecer sua alma: Luís da Câmara Cascudo que, neste 30 de dezembro, completaria 120 anos de idade: ele viveu entre 1898 e 30 de julho de 1986.
Escritor fértil, autor de mais de 200 títulos, entre livros e livretos, ele poderia ser chamado de “escritor amazônico”, pela extensão de sua obra que supera, segundo uma contagem, o número de 8500 páginas.
Paginas que registram o folclore (é autor do melhor dicionário do folclore já escrito no Brasil), as lendas, crendices e superstições dos brasileiros, sejam indígenas, negros, mestiços – do povo em geral (ele tinha a ambição de registrar todas elas em livro). Mas sua área de interesse vai muito além, e inclui o estudo do Brasil holandês do século XVII, os falares do povo, uma excelente história da alimentação, com fortes incursões pela influência indígena e africana, um saborosíssimo Prelúdio da Cachaça, vários estudos de história de seu estado, o Rio Grande do Norte – uma lista de obras que poderia ser interminável (os principais títulos estão relacionados ao final).
Numa entrevista ao jornal “A Província”, de Natal, disse: “Queria saber a história de todas as cousas do campo e da cidade. Convivência dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço.”
A posição política do professor jagunço, como era carinhosamente chamado por muitos, seria considerada estranha hoje, quando o Brasil está dominado por radicalismos de direita fortalecidos desde o golpe de Estado de 2016. Ela chama a atenção para a complexidade destas definições num país como o Brasil. Foi um conservador por influência da oligarquia potiguar da qual sua família fazia parte, embora não fosse rica. Assim, nos primeiros anos do século foi monarquista. Não aceitando a influência marxista que crescia no Brasil, na década de 1930 aderiu ao integralismo de Plínio Salgado, tendo sido alto dirigente daquela facção em seu Estado. Mas logo se desencantou com o autoritarismo daquela corrente. Da mesma forma como, avesso ao fascismo, na Segunda Grande Guerra apoiou a luta dos democratas contra aquelas ditaduras que ameaçavam o mundo. Em 1964, fiel às suas ideias anticomunistas, não se manifestou contra o golpe militar, mas protegeu conterrâneos seus perseguidos pela ditadura.
A estranheza que esta posição pode provocar decorre da visão em branco e preto das posições dos intelectuais brasileiros, sem lugar para nuances.
Neste sentido é preciso considerar que tantos pensadores nacionalistas, entre os quais Câmara Cascudo se destaca, mas podem ser relacionados nomes célebres como o cardeal D. Helder Câmara e o filosofo Roland Corbisier (entre tantos que passaram pelo integralismo), talvez tenham sido movidos pela questão nacional, pela paixão pelo Brasil, que é evidente no caso de Câmara Cascudo. Durante décadas vigorou a tese conservadora de que, no caso de uma revolução democrática e socialista, o Brasil cairia sob o domínio de uma potência estrangeira, a União Soviética. Foi a defesa contra esta pretensa ameaça que, com certeza, moveu pensadores que prezavam a defesa da soberania brasileira. Como hoje existem personalidade que, sendo conservadoras, são democratas e portadoras do sentimento nacional. Mesmo hoje, quando a União Soviética não existe mais e a direita raivosa tenta insuflar o temor da ameaça cubana ou venezuelana.
Aqui há uma lição a ser extraída dos ensinamentos de Câmara Cascudo: há democratas conservadores, que amam o povo, registram suas manifestações, defendem a soberania do Brasil. O mundo não é branco e preto, ensina Cascudo, mas de múltiplas nuances.
Algumas obras do mestre
- Alma Patrícia – critica literária – 1921
- Joio – crítica e literatura – 1924
- Conde d’Eu –1933
- O homem americano e seus temas –1933
- O Marquês de Olinda e seu Tempo –1938
- Vaqueiros e Cantadores –1939)
- Antologia do Folclore Brasileiro –1944
- Lendas brasileiras– 1945
- Contos tradicionais do Brasil –1946
- Geografia dos mitos brasileiros –1947
- História da Cidade do Natal – 1947
- Os holandeses no Rio Grande do Norte – 1949
- Literatura oral no Brasil –1952
- Cinco livros do povo – 1953
- Dicionário do Folclore Brasileiro – 1954
- História do Rio Grande do Norte – 1955
- Geografia do Brasil Holandês –1956
- Tradições populares da pecuária nordestina –1956
- Jangadeiros –1957
- Superstições e Costumes – 1958
- Dante Alighieri e a tradição popular no Brasil – 1963
- Folclore no Brasil – 1967
- História da alimentação no Brasil (2 vol) – 1963 e 1967
- Coisas que o povo diz – 1968
- Prelúdio da cachaça – 1968
- Locuções tradicionais no Brasil –1970
- Ensaios de etnografia brasileira – 1971
- Sociologia do Açúcar –1971
- Tradição, ciência do povo – 1971
- Movimento da independência no RN –1973
- História dos nossos gestos– 1976
- Superstição no Brasil –1985
Texto em português do Brasil