Diário
Director

Independente
João de Sousa

Domingo, Novembro 3, 2024

Carmen Mayrink Veiga

Carmen Therezinha Solbiati Mayrink Veiga, de seu nome completo, foi a mais elegante e deslumbrante socialite (ela detestava a palavra) brasileira de todos os tempos.

Era conhecida por Carmen Mayrink Veiga. Nasceu em Pirajuí, no interior do Estado de S. Paulo, indo viver para o Rio ainda muito jovem. Foi a brasileira que mais projeção teve a nível internacional, tanto pela sua elegância extrema, pelo modo assombroso de se vestir, como pela sua beleza estonteante, porte e personalidade fascinantes.

Loura de nascença, muito cedo resolveu pintar o cabelo de preto, usando o mesmo corte  e comprimento durante toda a sua vida. 

Alguns cirurgiões plásticos, como Ivo Pitanguy, e outros, aconselharam-na a operar o nariz tão “imperfeitamente perfeito”, como alguém o descreveu, mas ela, sábia e sensatamente, sempre recusou.

Em 1956 casou com o empresário multimilionário António Mayrink Veiga, conhecido por Tony Mayrink Veiga, e com ele esteve casada por 56 anos. Tiveram dois filhos, ambos belíssimos, cinco netos, todos belíssimos, tendo uma das suas netas lhe dado dois bisnetos. O casal Mayrink Veiga era considerado o casal mais glamoroso e mais chique de toda a América do Sul, segundo a Vogue americana e vários especialistas em jet set internacional apontavam-na como a mais chique e a bem vestida do mundo. Nas festas em que participavam, ou davam – viveram em Paris por 23 anos – cruzavam-se com as pessoas mais famosas e mais ricas do planeta, como A. Onassis, os Rothschild ou os Rockfeller. Ou com a Rainha Elisabeth II e a Princesa Diana. Desde a realeza, passando pela aristocracia, até a personalidades ligadas à arte, à música, ao cinema.

Os seus jantares eram famosíssimos, tanto pelo requinte como pelo bom gosto. Anfitriã perfeita e irrepreensível, Carmen M. Veiga tinha o costume de anotar todos os placements, todas as louças e todos os vestidos que usava para não os repetir. Ofereciam jantares em castelos alugados ou nas suas residências. E eram de tal forma extravagantes, que o casal era famoso por transportar os seus convidados a bordo de supersónicos Concorde para as suas temporadas de caça e célebres bailes em diversos países pelo mundo. 

Apesar da vida mundana e social, Carmen M. Veiga nunca bebeu e nunca fumou. E uma curiosidade: nunca apanhava sol.

Retratada por artistas mundialmente famosos, como Andy Warhol, Di Cavalcanti ou Candido Portinari, era igualmente fotografada por renomados fotógrafos como Francesco Scavullo, Richard Avedon, Mario Testino, Slim Aarons, Bob Wolfenson, Tuca Reinés e outros célebres.

Em 1981, na lista das pessoas mais bem vestidas do mundo, na Vanity Fair americana, Carmen Mayrink Veiga fazia parte dessa lista. Ela foi também a única pessoa no mundo a ser três vezes capa da revista americana Town & Country. E foi a única brasileira citada na biografia oficial de Yves Saint Laurent. Também a atriz Rita Hayworth a cita na sua autobiografia. Foi ela também a primeira brasileira a ser entrevistada pelo entrevistador americano David Letterman no seu programa “Late Show”. Foi a personalidade que mais vezes voou no Concorde. E fez parte da lista das clientes mais presentes da alta costura Parisiense.

Nas últimas décadas de vida Carmen M. Veiga sofria de uma doença neurológica que lhe afetava o andar e o equilíbrio. A doença era denominada paraparesia espástica tropical. No início da doença Carmen M. Veiga caminhava com o uso de bengala, mas depois, e com o tempo, tinha de se deslocar em cadeira de rodas. Por causa deste problema, ela se tornou numa incansável batalhadora e ativista pelo direito das pessoas portadoras de cadeiras de rodas, conseguindo que muitos hotéis, como o emblemático Copacabana Palace, o Teatro Municipal do Rio, Edifícios históricos, restaurantes e outros lugares, adotassem rampas de acesso e elevadores adaptados. Mas até na sua doença ela era única e elegantíssima. Jamais se lamentando, explicava a doença muito sucintamente e falava de outras coisas, da vida em geral.

Fotografada por Richard Avedon para a Vogue Itália, 1969

Nas entrevistas que dava, mostrava-se nostálgica por um Rio que não mais existia e lamentava a falta de glamour e de elegância do século XXI. Não gostava da grande maioria dos novos estilistas. “A tendência não é mais moda, é fantasia.”, dizia. Franca e direta, aquando de uma coleção do estilista Marc Jacobs, por exemplo, disse numa entrevista: “Praticamente tudo é para você entrar numa escola de samba. Tudo muito absurdamente feio e de mau gosto”. Uma frase sua ficou famosa quando lhe perguntaram qual a diferença entre uma bolsa Louis Vuitton original e uma falsa, ao que ela respondeu: “Querido, a diferença fundamental está em quem a usa.”

Depois do Plano Collor, a fortuna da família começou a decair, mas ela nunca se queixou. Em 2005, na penhora de bens por uma dívida de 25 milhões de reais, leiloou mais de 100 obras de arte, tendo-se de desfazer de carros, fazendas, joias. E até o retrato dela pintado por Portinari de que ela tanto gostava, foi leiloado. Mesmo assim, deu a saber:

Não sinto falta dessas coisas. Aproveitei bastante e não me arrependo de nada.”

Conseguiram, no entanto, manter o apartamento em que moravam, de mil metros quadrados, na Avenida Rui Barbosa, no Flamengo, onde viveu até ao fim dos seus dias.

Foi nessa época, numa entrevista à revista brasileira Veja, que uma frase dela gerou grande polémica e correu o Brasil. Não admitiu ser chamada “dondoca”, “grã-fina” e “socialite”; “termos pejorativos horrorosos”, dizia. Acrescentando: “Sempre trabalhei como uma negra, grátis, sem ter férias nem salário. Você acha que ser dona de casa é pouco?”, repostou, para grande espanto do jornalista.

Falava e sabia falar com todas as classes socais. Para ela, só havia dois tipos de pessoas, as boas e as más.

Deixou algumas instruções para quando ela morresse. Uma, que não chorassem. Outra, uma nota a registar: “Quando eu morrer, no meu túmulo vai constar apenas: “Morreu linda e magra aos 58 anos”.

Quando ela morreu, aos 88 anos, de causa natural, no dia 3 de dezembro de 2017 (o marido havia morrido em 2016), ela foi notícia em toda a imprensa brasileira, mas foi a revista ISTOÉ que lhe prestou a mais justa homenagem com os titulares na capa:

 A fina flor do high society

Carmen Mayrink Veiga (1929-2017), a mulher que colocou o Brasil no mapa do jet set internacional, sai de cena levando a aura de elegância que marcou os anos dourados e ensinou a sociedade carioca a ser respeitada no jet set.


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante  subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -