De Salvador ao Rio de Janeiro e São Paulo, passando por Olinda, Recife e toda uma infinidade de pequenas e médias cidades, de norte a sul do Brasil, o povo está nas ruas.Aos milhões, quase sempre sob um sol tórrido, brasileiros de todas as idades e inclinações festejam sem parar durante dias seguidos, comendo, bebendo, cantando e rindo, num autêntico exorcismo dionisíaco e orgiástico com que uma vez por ano o povão parece querer esquecer e redimir todas as penas da existência.
Tudo é muito estimulado, é certo, pela repercussão mediática, em particular as transmissões ao vivo das grandes estações de TV, que, num movimento circular, transformaram a festa popular num produto de mercado, aumentando sem parar o seu volume e impacto. A ponto de hoje se poder afirmar que se alguma coisa neste país parece conseguir consenso nacional – além, claro, do futebol – é essa festa aí: o Carnaval.
Tudo começou no período colonial, quando os portugueses aqui introduziram o Entrudo, versão europeia e já cristianizada da festa pagã com que na Antiguidade se assinalava a mudança de ciclo da natureza – o fim do inverno e o começo da primavera, celebrando a fertilidade, origem da vida.
Carnaval no Rio – gravura do pintor Jean Baptiste Débret, que no século XIX integrou a chamada “missão francesa” promovida e financiada por D. João VI para ilustrar a capital do Reino Unido de Portugal e do Brasil
A festa parece ter agradado em particular aos escravos, que a adoptaram e a transformaram com muitos elementos da cultura negra e indígena. A turbulência das ruas, entretanto, não agradava à nobreza, que preferia festejar de forma mais recatada e discreta, à francesa, com bailes de máscaras e fantasias, nos salões mais ou menos requintados dos clubes e teatros.
Hoje, esse Carnaval galante praticamente evaporou, substituído que foi pelos desfiles de rua – primeiro dos ranchos e marchinhas com zés-pereiras à cabeça (outra tradição portuguesa), e depois pelos blocos de rua e as baterias.
Assim, longe vão os tempos em que um dos chamados “intérpretes do país”, Paulo Prado, abria a sua obra mais marcante – Retrato do Brasil – com esta frase de efeito – “Numa terra radiosa, vive um povo triste”…
Daí para cá, os brasileiros parecem estar apostados em desmenti-lo o mais enfaticamente possível. Pode-se até questionar se a alegria é genuína ou estimulada e se por trás dela não estará, afinal, uma mágoa profunda que não se reconhece nem quer assumir. De qualquer forma, à superfície, pelo menos, não há povo mais alegre que o brasileiro, em cuja cultura quase não há espaço para a tristeza.
Mesmo que saiba, à partida, que tudo vai terminar na quarta-feira.