“Caro amigo Sizandro, estimo que te encontres bem. Tenho uma boa e uma má notícia para te dar”. Esta podia ser a abertura de uma carta enviada ao rio que banha o concelho de Torres Vedras, que ao mesmo tempo foi notícia devido a dois acontecimentos, um positivo e outro negativo.
Começamos pelo positivo. O projecto “Peixes Nativos”, no qual a Câmara de Torres Vedras está envolvida, obteve o segundo lugar na categoria de “Boas Práticas” da segunda edição do Prémio Guarda-Rios. De acordo com uma informação da autarquia, essa distinção, que resultou de uma votação do público, foi atribuída no passado dia 1 de Outubro, na Gala Guarda-Rios, que se realizou no Centro de Congressos de Lisboa.
Segundo a nota de imprensa da Câmara, o “Prémio Guarda-Rios tem como objetivo reconhecer e premiar pessoas, organizações e empresas que implementam práticas ambientais positivas sobre os rios, assim como bons comportamentos e práticas económicas, sociais ou ambientais relacionadas com a gestão das referidas linhas de água e com o envolvimento das comunidades na mesma”. No concelho de Torres Vedras o projecto tem envolvido alunos do primeiro ciclo do ensino básico de escolas de Ramalhal, Runa, Maxial, Dois Portos e Monte Redondo.
Denúncia da morte de peixes
Agora vem a má notícia, denunciada pela Plataforma Runa Acontece, que dá conta de descargas poluentes no rio Sizandro, causadoras alegadamente da morte de peixes. “Desde o final de Setembro têm havido descargas poluentes vistas a olho nu junto da antiga azenha, no açude do lado da Quinta da Granja. Com grande admiração de várias habitantes de Runa, e de um dia para o outro, foram vistos centenas de ruivacos no açude, e nos dias seguintes foram detectadas pelas mesmas pessoas, que as águas do rio ficaram escuras e com um cheiro nauseabundo, e os ruivacos desapareceram e outros apareceram mortos, assim como outros peixes”, refere a plataforma.
Conforme se pode ler num e-mail enviado à Câmara Municipal de Torres Vedras, assinado por José Xavier, membro da Plataforma Runa Acontece, “é intolerável que isto esteja a acontecer e ainda pior quando a centenas de metros mais abaixo, depois do Parque Verde, exista um projecto dos ruivacos onde foram investidos 200 mil euros com a comparticipação de fundos europeus”. E acrescenta que “o problema do meio ambiente em Runa é um tema que é urgente ter tratamento. A situação do rio Sizandro, onde a limpeza das suas margens já não se efectua há vários anos, deixa um grave problema em aberto para o período de inverno que está a chegar. A Junta de Freguesia ou a Câmara Municipal têm de tomar medidas, no sentido de serem detectados os poluentes e tratar da limpeza do rio, que já não é feito há vários anos. As descargas poluentes, não é um problema só de agora, já vem sendo seguido há alguns anos por alguns residentes de Runa”.
A missiva enviada à Câmara levanta também a questão das pecuárias no Monte Rei, “onde existem várias lagoas sépticas, que estão a céu aberto, deixando em muitos períodos do ano cheiros nauseabundos e insectos. Mesmo do lado dessas pecuárias existe uma linha de água que está no meio de várias lagoas, com dejectos de porcos, que vai desaguar no rio Sizandro”.
O assunto viria a tomar maiores proporções quando Luís Cristóvão decidiu denunciar o caso no seu blogue “Modo: Mudança” com um artigo também partilhado no Facebook. No texto o autor refere que “um rio que cheira mal a servir de leito para dezenas de peixes mortos é um facto ao qual ninguém pode fechar os olhos. Um acontecimento que não precisa de grandes interpretações para perceber o problema que temos pela frente. O principal rio do concelho de Torres Vedras, o Sizandro, continua a ser vítima de crimes ambientais, crimes que nos afectam a todos, pela sua natureza pública e pelas suas consequências nefastas para a economia, o turismo e a qualidade de vida no nosso concelho. O acontecimento teve a infeliz coincidência com o anúncio de um prémio sobre o trabalho nesse mesmo rio, com essa mesma comunidade de peixes, o Ruivaco do Oeste, que acaba o fim de semana ser notícia pelas piores razões”.
Os Verdes questionam Governo
O assunto acabou por resultar numa intervenção no Parlamento do Partido Ecologista Os Verdes (PEV), parceiro de coligação do Partido Comunista na CDU. A deputada Mariana Silva entregou na Assembleia da República uma pergunta, em que questiona o Governo através do Ministério do Ambiente e da Acção Climática, sobre o aparecimento de dezenas de peixes mortos à superfície (da espécie protegida – Ruivacos do Oeste – Achondrostoma occidentale) junto à zona do Açude da Granja, do rio Sizandro.
“Estaremos perante mais um atentado ambiental que levanta questões em relação à protecção e salvaguarda de uma espécie de peixes endémica das ribeiras do Oeste e que utiliza a vegetação ribeirinha para a sua reprodução, como também face à exequibilidade dos investimentos que têm sido realizados para a conservação destes habitats ripícolas, ao abrigo de Programas Operacionais de Sustentabilidade e Eficiência de Recursos”, introduz o documento.
São quatro as perguntas feitas pelo PEV: O Ministério do Ambiente e da Acção Climática (MAAC) tem conhecimento da existência, nas últimas semanas, de dezenas de peixes mortos à superfície da água no rio Sizandro? O Governo virá a desenvolver alguma acção inspectiva que apure a origem desta preocupante situação relatada pela população local? O MAAC confirma que as águas neste troço do Rio Sizandro se encontram poluídas? A poluição das águas, e a existência de acontecimentos similares aos relatados, é recorrente? Tratando-se de um problema ambiental grave e com riscos para a biodiversidade e para a saúde pública, além do apuramento imediato, que medidas irão ser tomadas para prevenir que venham a ocorrer situações similares?
“Espero que te recomponhas rapidamente do teu estado de saúde e que em breve possamos estar novamente juntos”, terminaria assim a hipotética carta enviada ao nosso amigo rio Sizandro.