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Sábado, Novembro 2, 2024

Carta à minha memória

Filipa Vera Jardim
Filipa Vera Jardim
Mantém o blogue literário “Chez George Sand” onde escreve regularmente.

XXVI. Transparência.

Minha memória,

Lembro-me de ti na tua transparência. As coisas que me disseste e as outras que me chegaram por via da tua alma e dos teus olhos.

Lembro-me do ar que trespassava o teu riso. Um ar cálido e breve. Brisa de entardecer a envolver tudo, a temperar tudo.

Era de permanente Primavera o teu andar e o gosto que tinhas em me ajudar.

Lembro-me das cores que te vestiam as palavras que dizias, as palavras que te adivinhava e os sorrisos. Cores vibrantes em palavras doces. Cores suaves em palavras duras.

Dizias-me exactamente tudo o que eu precisava de ouvir dizer. Muitas vezes no meio de um tempo agreste que era sempre o meu.

A tua mão, recordo-me dela a intervalos. Uma mão firme e pequena, angulosa, a acusar os caminhos da idade que nunca te pesou. Uma mão estendida com os dedos a apontar-me um horizonte, qualquer que ele fosse.

Lembro-me de que nunca, mas nunca desististe. De mim, do meu percurso, de me incentivares nesse caminho.

Estiveste sempre lá desde que me recordo. E, estiveste sempre lá na tua transparência.

Era sempre possível saber o que tu pensavas mesmo que nunca o dissesses, saber que caminho escolherias mesmo que não o trilhasses, saber que estarias de um lado em detrimento do outro. Eras transparente e verdadeiro. Tão transparente e verdadeiro como é possível sê-lo.

Recordo-te de ti, deste do lado de cá. O lado onde permanecem uns poucos tão transparentes  e tão verdadeiros como tu. Sempre do lado de cá.

O teu aperto de mão sela-me ainda agora, todo o absoluto e toda a constância de que sou capaz.

Um dia foste-te. Abalançaste-te direito ao teu infinito, não sem antes me explicares que iria ser assim porque era o tempo, sempre o tempo a exigi-lo. Deste-me a tua mão e sem nenhuma palavra explicaste-me que irias.

Despiste-te de quase tudo, da tua humanidade, da tua vida, dos teus receios e partiste. Ainda assim, permanece aqui comigo  a tua transparência.

 


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