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João de Sousa

Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Carta aberta ao Governo alemão

angelamerkel

 

Exmo. Sr. Embaixador da República Federal da Alemanha em Portugal,

Venho por este meio, como português brioso e europeu convicto, expressar o meu protesto pelas recentes declarações do Ministro das Finanças do seu país relativamente ao meu. Disse Wolfgang Schäuble que Portugal deveria ter cuidado para evitar perturbar os mercados.
Ora, estas declarações são ofensivas e constituem uma ingerência inadmissível nos assuntos internos de outro Estado. É desnecessário relembrar memórias que todos queremos esquecer, ou pelo menos com elas aprender, de modo que se não se traduzam em redivivos factos.
Quero crer que a Alemanha de hoje se revê mais em Sophie Scholl, Konrad Adenauer, Willy Brandt e outros de elevada craveira do que em outros nomes de ignomínia. Ora, a Europa em que creio é dos Estados cooperantes e igualmente soberanos, não da caricatura de um directório de uns sobre outros, em que uns, segundo o inglório de axioma de George Orwell, são mais iguais do que outros.

Deve, pois, o Ministro das Finanças do seu país ter vergonha e meter-se nos seus assuntos particulares e nos do seu país: a corrupção em que foi indiciado (pelo financiamento irregular do seu partido em 1999); o escândalo da batota da Volkswagen; a má situação do Deutsche Bank, por culpa própria (aliás, culpa de que padecem muitos outros bancos de vários países europeus, Portugal incluído). O Sr. Schäuble em particular e a Alemanha em geral não têm lições a dar a ninguém. E devem abster-se de o tentar fazer. Repito: há que não ressuscitar memórias antigas mas ainda relativamente recentes.

A estas declarações acrescem os recados da Chanceler Angela Merkel em relação à França, exigindo deste país, o meu segundo país (por adopção e cidadania adquirida), putativas reformas, declarações que tiveram de Jean-Luc Mélenchon a devida resposta.

Porém, diria o mesmo se estivesse em causa outro país. Como esteve em causa a Grécia e o discurso de culpa e de insultos com que esta Nação foi caracterizada por responsáveis políticos alemães, designadamente Schäuble.
Portugal, França, a Grécia, tantos outros mais, têm uma história pregressa, culturas, literaturas, tradições próprias e dignas. Em especial – porque, repito, são os meus dois países – Portugal e França cumpriram papéis de enorme relevo na História da Europa e no Planeta.

Nem Portugueses, nem Franceses nem Gregos elegeram o senhor Schäuble para nenhum cargo. Os Alemães, sim, elegeram-no. As responsabilidades que lhe cabem, tanto políticas como éticas como de cidadania, restringem-se portanto ao território da RFA.

Sit modus in rebus e evite-se a todo o custo a hybris. Sejam os dirigentes políticos da Alemanha dignos do país educado e livre que representam, Sr. Embaixador. Por mim, como português e francês, não admito esse abuso.
O espírito trágico ensina-nos que a hybris desencadeia cadeia de compensações, pela punição, em que um excesso corrige outro. O espírito cristão protestante e a História europeia da segunda metade do século XX, de que se reclamam Schäuble e o seu partido, deveriam ter-lhes ensinado a Graça e a Redenção pela Graça, com as quais a Alemanha foi favorecida.
Este mesmo espírito protestante deveria ter ensinado à Alemanha o correcto apotegma de Jesus: não se pode servir a dois senhores; ou bem me servis a mim ou ao Dinheiro (Mammon) – disse ele. E o domínio próprio (em especial o da própria boca) é arte difícil, mas necessária – recomendando-se para tanto a leitura e meditação na epístola do apóstolo Tiago, capítulo 1, no Novo Testamento.

Com os mais cordiais cumprimentos
Rui Duarte

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