Documentário de Coraci Ruiz e Julio Matos, com brasileiros, angolanos e portugueses, devia ser exibido em salas de aula para alunos tanto do Brasil quanto dos outros países lusófonos.
O documentário Cartas para Angola está em circulação desde novembro passado no circuito de festivais, com exibições no Sesc de São Paulo e na televisão. Eu vi o filme no programa Sala de Cinema, da TV Cultura. A obra foi premiada no Festival de Cinema Etnográfico do Recife. É claro: não é um filme que possa entrar no sistema da indústria cinematográfica.
Cartas para Angola é uma produção independente, com a direção de Coraci Ruiz e Julio Matos. Na equipe de criação estão pessoas brasileiras, angolanas e portuguesas. A procura intelectual que o filme mostra é algo totalmente fora do que acontece com os filmes em geral. É a busca de uma identidade para a sua província – e, no caso, a base é Luanda, em Angola.
Os participantes são jovens angolanos e também brasileiros, alguns um pouco mais velhos. Na maior parte, são poetas ou mostram uma visão poética da realidade onde vivem, mesmo que não sejam simplesmente sonhadores – mas, sim, pessoas que abordam as questões sociais de suas comunidades.
As cartas – que, claro, não são o sistema em que se comunicam cotidianamente – transformam-se na forma escolhida para ter um esteio material que vai estruturar o filme. Podem, assim, dizer que são naturalmente contra um sistema social que exclui as “diferenças”. É como um personagem que vive em Taboão da Serra, mas é de Luanda. Ele diz sentir dificuldade de continuar falando com o sotaque do seu país, pois, quando está em Lisboa, começa a falar como lisboeta e, quando no Brasil, sente uma grande atração pelo sotaque “dançante” da língua brasileira.
Cartas para Angola vai mostrando cada um dos participantes em suas ligações íntimas, pessoais, e assim situando o quanto pessoas desses países se sentem próximas, mesmo com suas diferenças. Fica claro, no final, o quanto é injusto acabar com as culturas locais – um ato que despersonaliza as pessoas. É um tipo de fator que o cinema de Hollywood quer – e tem conseguido – acabar, pelo menos na maior parte da população.
O poeta angolano registra que as pessoas do Brasil, quando chegam a Angola, se espantam em “não encontrar a África” – não a África que elas pensam ainda existir. E o poeta é obrigado a explicar que não há como manter a África original, “que já está totalmente corroída nas suas cidades pela cultura internacionalizada”.
Enfim, Cartas para Angola seria um filme fundamental não para passar somente em sessões únicas nos Sesc ou em emissoras “culturais”. Devia ser exibido em salas de aula para alunos tanto do Brasil quanto dos outros países lusófonos, fazendo com que os jovens soubessem que em cada cidade, em cada comunidade, existem particularidades, mesmo quando se trata da mesma nação. Isso não é nacionalismo. Isso é cidadania, a afirmação de cada povo.
por Celso Marconi, Crítico de cinema, referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8 | Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado