Em entrevista ao programa Encontro com Fátima, da TV Globo, na manhã desta terça-feira (13), Pamella Gomes de Holanda afirmou ter divulgado os vídeos dos espancamentos que vinha sofrendo do então, seu companheiro, Iverson de Souza Araújo, conhecido como DJ Ivis, por conta do medo de ser desacreditada pela polícia e pela justiça.
“A gente vive em um país machista e nós mulheres somos criadas nessa cultura. Eu tinha medo de que, pelo fato de ele ser homem e eu mulher, e a gente quase nunca ter voz e espaço, eu pensei ‘tenho que provar que isso acontece e que ele faz isso comigo.’ Se fosse só minha palavra contra a dele, eu ia viver tentando provar”, disse.
O temor da vítima se justifica por casos como o da blogueira e promoter de eventos Mari Ferrer. Mari acusou o empresário André de Camargo Aranha de tê-la dopado e estuprado no clube Jurerê Internacional, na capital de Santa Catarina, Florianópolis, em 2018.
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Somente após a humilhação sofrida por Mari em uma audiência virtual sobre o seu caso, é que a Câmara dos Deputados aprovou, no dia 12 de março, um substitutivo ao Projeto de Lei 5.096/2020, derrubando de vez a tese inconcebível de “estupro culposo”, utilizada pelo advogado de defesa de Aranha e aceita pelo juiz como “insuficiência de provas”.
Outro argumento forte que corrobora o medo de Pamella consiste na decisão somente agora do Supremo Tribunal Federal (STF) pela inconstitucionalidade do argumento de “legítima defesa da honra” em casos de tentativa de feminicídio.
Isso porque o próprio STF ratificou uma decisão de um júri popular em absolver um homem que confessou ter esfaqueado a ex-companheira por desconfiar de sua conduta. Seu advogado de defesa usou o argumento de “legítima defesa da honra”, que não existe em lei nenhuma, mas o júri o absolveu por unanimidade, em Nora Era (MG), em 2017.
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“Essas coisas acontecem porque é muito presente na mentalidade patriarcal, a cultura do estupro, pela qual a mulher é ‘propriedade’ do homem”, explica Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Por isso, para ela, “é essencial a ampla divulgação de violências como essa, para mostrar à sociedade a necessidade de promovermos um amplo debate sobre as questões de gênero no país”.
Beatriz Darc, dirigente da CTB-DF e secretária de Relações de Gênero da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), acrescenta a necessidade “das escolas terem em seu currículo a educação sexual, respeitando sempre a faixa etária das crianças e jovens, e um consistente debate sobre as questões de gênero e a importância de se respeitar o outro”.
Neste vídeo dá para ter uma ideia da gravidade da violência
Porque “não dá mais para ignorar que o machismo mata”, acentua Heloisa Gonçalves de Santana, secretária da Mulher da CTB-SP. “Precisamos compreender que feminismo não quer tomar o lugar do machismo. O feminismo liberta. É um ato de coragem para transformar o mundo num lugar onde possamos viver e andar nas ruas sem medo”, acentua Flora Brioschi, secretária da Mulher da CTB-BA.
Ela também destaca a fala da apresentadora de TV, Fernanda Lima, que indignada pergunta: “O que a gente ainda precisa fazer?” para acabar com a violência contra a mulher. Para Flora, Fernanda tem razão, mas “precisamos perseverar” e “quem tem acesso aos meios de comunicação devem insistir diariamente no debate sobre a igualdade entre os gêneros e na defesa da cultura da paz”.
Pesquisas revelam que a violência de gênero se agravou durante a pandemia. O estudo Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil, feito pelo Datafolha para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que uma em cada quatro mulheres, acima de 16 anos, sofreu algum tipo de violência nos últimos 12 meses.
Além de 76% das mulheres denunciarem já terem vivenciado alguma situação de humilhação ou violência no ambiente de trabalho (gritos, xingamentos ou qualquer tipo de discriminação). Entre os homens esse índice é de 68%.
“O Brasil é reconhecidamente o quinto país mais violento contra as mulheres”, reforça Heloisa. “O que aconteceu com Pamella é mais comum do que imaginamos”, por isso, “precisamos nos unir e levantar a nossa voz todos os dias para ganharmos o respeito que merecemos”.
Para ela, “a luta por equidade de gênero não pode esperar. Tem que ser feita agora” e complementa perguntando “quantas mortes serão necessárias para todos os movimentos sociais e sindical se unirem contra a violência de gênero e o patriarcado?”.
Pamella terminou a entrevista no programa apresentado por Fátima Bernardes afirmando não desejar ser um exemplo. “Jamais imaginei isso para a minha vida, não quis e não procurei. Mas espero que isso que tem acontecido comigo, principalmente a questão da proporção que tem tomado, que não seja só pra mim, que não seja só porque foi com alguém que é conhecido”.
Ela lançou o apelo para que “as autoridades e os órgãos competentes deem atenção a todos os casos. Isso é rotina no nosso país e acho que agressão e violência não é forma de expressão e não deve ser rotina dentro de casa. Eu encorajo todas as mulheres a denunciarem”. Porque “um homem que bate em uma mulher não é um doente, eu acredito que ele faz isso por escolha. Não há justificativa”.
Texto em português do Brasil