A Constituição, escrita ou consuetudinária, num texto único ou dispersa por vários documentos, é a Lei Fundamental onde estão vertidos os princípios e valores que são o mínimo denominador comum de uma sociedade em um momento histórico determinado. Nela estão reunidos os fundamentos do Estado, os órgãos e competências que a governam, os parâmetros de influência e decisão de cada um deles e, the last but not the least, os Direitos Fundamentais – Direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos face aos órgãos do Estado que exercem um poder apenas delegado.
Grosseiramente, a definição acima contém os aspectos substanciais do conceito de Estado de Direito. Os Estados modernos aceitam a separação do exercício do Poder em três domínios – Legislativo, Executivo e Judicial – distribuídos por órgãos separados e independentes entre si. Desta forma, os “iluministas” franceses que a conceberam, pretenderam acautelar os excessos e abusos de Poder, por qualquer destes órgãos, criando um sistema equilibrado em que cada função do estado é escrutinada pelos órgãos das restantes duas.
O objectivo, claro, era, então como agora, garantir que qualquer das funções do Estado seria exercida como poder delegado – não olvidemos que todo o poder emana do Povo – e não como poder autónomo. Independente? Sim! Autónomo? Não! O poder Judicial desempenha um papel crucial no funcionamento de todo o Sistema. Desde logo porque é ao poder Judicial que cabe interpretar e aplicar as Leis, mas, não menos importante, porque é ao poder Judicial que cabe proteger os cidadãos contra os desmandos do próprio Estado.
Para este poder ser eficaz e actualizado é necessário que a Justiça seja aplicada em tempo útil. E que aos indiciados ou suspeitos sejam aplicadas as normas constitucionalmente garantidas que protegem os seus Direitos, Liberdades e Garantias. Um cidadão não condenado e cuja sentença não transitou em julgado beneficia dos mesmos Direitos, Liberdades e Garantias comuns a todos os cidadãos, cujo conjunto – não é demais recordá-lo de novo – detém originariamente o Poder, incluindo, naturalmente, o poder concreto delegado nos órgãos judiciais.
Ora entre as Garantias constitucionalmente consagradas sobressai a de que qualquer cidadão tem direito a um processo justo e realizado num tempo razoável. O terceiro Poder – o Judicial – não tem apenas direitos, tem também deveres, tanto mais que o poder de que está investido não lhe pertence. É um poder delegado.
Perplexidades ao cuidado do Exmo. Director do DCIAP
- O poder judicial em Portugal é tão independente que não é escrutinado por ninguém além dos próprios agentes que o exercem?
- O que considera um tempo razoável para a realização da Justiça?
- É suposto que quando se detém e prende preventivamente um cidadão exista um conjunto de provas suficientemente consistente para formular uma acusação e proceder à consequente pronúncia dentro do tempo útil, para o efeito definido pelo tempo máximo permitido por Lei para a prisão preventiva. Porque não foi José Sócrates acusado e pronunciado pelos “crimes” de que era suspeito, à data, neste prazo?
- Argumentar com a complexidade do processo é uma boutade para ignorante ver. É do conhecimento geral que há casos complexos e de prova difícil e para esses o Legislador já teve inúmeras oportunidades de mudar a Lei e criar uma excepção. Se não o fez foi porque assim o entendeu e aos Procuradores e Juízes apenas cabe aplicar a Lei em vigor e não criar ficções legais onde a Lei é omissa. Porque não foi José Sócrates acusado com base nos indícios e suspeitas que levaram à sua detenção e posterior prisão preventiva? Nada impedia o Ministério Público de continuar a investigar e abrir outros processos, formulando novas acusações, em resultado do apurado pelas novas investigações.
- Porque parece o Ministério Público gostar tanto de mega-processos?
- Porque razão os agentes do Estado vão soltando pedaços desconexos de informação, para jornalistas seleccionados, durante a fase de “segredo de justiça” interno e externo?
- Faz parte da sua ideia de “processo justo” manter indefinidamente um cidadão no “limbo”, torrar a imagem deste através de um julgamento pela Opinião Pública, produzindo um acervo de novas suspeitas sempre que se aproxima um prazo?
- O que falta ao Ministério Público para deduzir alguma, uminha que seja, acusação contra Sócrates?
- Considera que a novela “Marquês” contribui para transmitir aos cidadãos, aqueles em nome de quem e por delegação age, uma boa imagem do organismo que dirige?
- Vê alguma razão para que os agentes de um poder delegado, como venho repetindo, se conduzam de forma arrogante, chegando mesmo a fazer ameaças de morte em grupos nas redes sociais? Arrogantes por estarem fora do alcance da Justiça que deriva da primeira pergunta deste conjunto de perplexidades que agora submeto à sua superior consideração?
Estas são apenas algumas das inquietações que perpassam pela mente dos cidadãos mais esclarecidos e menos permeáveis à campanha mediática que vem sendo conduzida neste caso por alguns dos intervenientes no processo.
Declaração de interesses: não formulei ainda qualquer juízo conclusivo acerca da culpabilidade ou inocência do supra referido cidadão. Não tive acesso ao processo ao contrário de alguns camaradas meus de profissão. O mesmo não posso dizer acerca do modo como a investigação tem conduzido este processo, que considero um abuso de poder, ilegal e profundamente reprovável.
Nota final: A referência à “delação premiada” como meio útil de produção de prova, prova que o 25 de Abril ainda não foi interiorizado por alguns protagonistas da Justiça. Fiquei envergonhado por interposta pessoa. A tortura também é: consideraria, o Director do DCIAP, confissões obtidas através do recurso ao waterboarding?