Muito se escreveu e disse já sobre a reportagem da TVI que divulgou as suspeitas de irregularidades alegadamente praticadas pela ex-presidente da Raríssimas, Paula Brito e Costa. A citada reportagem mereceu elogios quase generalizados mesmo de pessoas como Pacheco Pereira cujas análises dos media e do jornalismo se destacam por um olhar crítico e exigente que, concorde-se ou não, convidam sempre a uma reflexão.Foi porém a jornalista Fernanda Câncio, num artigo publicado no Diário de Notícias, a apontar omissões graves e outras questões de grande pertinência, ignoradas na citada reportagem mas conhecidas através de outra reportagem, esta do programa Sexta às 9, da RTP3. Mais preocupante é o facto de a presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, ter ela também, ignorado e elogiado algumas violações éticas e deontológicas praticadas na reportagem da TVI, justificando-as com argumentos pouco sólidos.
Entenda-se: não está em causa o interesse público da divulgação jornalística das alegadas irregularidades praticadas pela ex-presidente da Raríssimas. Mas o que se seguiu a essa divulgação não dignifica o jornalismo. Elenco alguns exemplos:
- a divulgação de imagens de reuniões internas da Raríssimas sem que se saiba quem e em que condições foram obtidas;
- a divulgação de fotografias privadas, tiradas em férias, da ex-presidente e de Manuel Delgado, (consultor da Raríssimas na altura e depois secretário de Estado da Saúde, entretanto demitido) sem conhecimento nem autorização de qualquer deles;
- a exibição de uma dessas fotografias sem o seu conhecimento durante uma entrevista a Manuel Delgado em que lhe foi perguntado o tipo de relação que tinha com a ex-presidente da Raríssimas;
- A gravação e exibição de uma conversa de uma das autoras da reportagem com o consultor de comunicação da Raríssimas sem o seu conhecimento nem consentimento prévio.
Porque considero que os elementos citados constituem falhas deontológicas:
- Um/a jornalista não deve usar imagens ou outro tipo de elementos obtidos por critérios não jornalísticos. (a reportagem da TVI não identifica a origem das imagens da reunião interna da Raríssimas nem das fotografias de férias da ex-presidente com Manuel Delgado);
- A exibição dessas imagens é particularmente grave quando, como foi o caso, expõe aspectos da vida privada ou íntima dos protagonistas, não essenciais à demonstração dos factos (as fotografias das férias da ex-presidente com Manuel Delgado não acrescentam nada às irregularidades na gestão da Raríssimas).
- No contexto de uma entrevista política um/a jornalista não pergunta a um entrevistado se tem uma relação extra-profissional com outra pessoa, sendo ou não o entrevistado um político.
- Um/a jornalista não grava reuniões sem autorização dos participantes e muito menos as divulga sem o conhecimento destes; (o facto de o consultor da Raríssimas pretender conhecer antecipadamente as perguntas que iriam ser feitas não justifica a violação da regra. Bastaria que a jornalista tivesse negado antecipar as perguntas, como fez, e, se entendesse necessário, infomasse o público do sucedido).
- Grave também é o mimetismo estabelecido entre jornalistas e comentadores que nos diversos media ecoaram informações falsas ou incompletas já desmentidas ou esclarecidas, incapazes de reconhecerem que manipularam uns ou se deixaram manipular por outros.
É cedo para percebermos se a reportagem da TVI, que despoletou o caso, e se o programa da RTP “Sexta às 9”, que fez o contraditório, esgotaram o que há para saber sobre a gestão da Raríssimas. Uma coisa é certa: para além dos factos que vierem a ser apurados só soubemos deles porque há uma guerra entre duas dirigentes da instituição, cada uma das quais escolheu o canal de televisão em que iria falar , e um ex-tesoureiro que ninguém questionou e que, aparentemente é tão responsável como ambas. Esse é o lado político da questão que não cabe neste post.
Exclusivo Tornado / VAI E VEM