Em tempo de balanço dos 10 anos de presidência de Cavaco Silva o saldo, tal como ouvido e lido nos meios de comunicação social, é em geral negativo. De facto, parece difícil aos analistas encontrarem aspectos positivos suficientemente relevantes para poderem ser considerados como marcas dos seus mandatos presidenciais. E, no entanto, Cavaco Silva foi o político mais tempo em exercício de funções contando os anos em que foi primeiro-ministro. Ora, alguém que ganhou duas eleições legislativas com maioria absoluta e fez depois dois mandatos como Presidente da República terá forçosamente feito coisas boas.
Acontece, porém, que alguns dos momentos e episódios que marcaram negativamente os seus mandatos presidenciais são de tal modo insólitos que se sobrepõem a outros positivos que, certamente, também teve. Apesar de a memória dos homens ser curta, os últimos anos foram especialmente negativos para o Presidente.
Começando pelos actos mais recentes, a maneira crispada como conduziu o resultado das últimas eleições legislativas deixando arrastar a nomeação do governo e criando uma crise com consequências nefastas para o normal funcionamento da democracia, fica como um dos momentos mais negativos do seu mandato, sobretudo pelo contraste que representa relativamente à protecção que sempre deu ao governo PSD-CDS e mesmo a Passos Coelho no caso das suas dívidas ao fisco.
A declaração mais marcante do presidente Cavaco e a que porventura mais revoltou os portugueses, atingindo mesmo uma dimensão de escândalo, tal o clamor público que criou, foi porém a de que as reformas que recebe como professor e como funcionário do Banco de Portugal não chegam para pagar as suas despesas.
Fica também colada a Cavaco Silva enquanto Presidente a “inventona de Belém”, quando um seu assessor em conluio com o jornal Público criaram uma falsa notícia de que a Presidência da República estava sob escuta do governo. O caso atingiu proporções políticas inimagináveis e envenenou irremediavelmente as relações entre o Presidente e o Governo de então. Em qualquer país democrático, o Presidente não teria resistido a tão grave “inventona”, o mesmo acontecendo ao director do jornal que a alimentou e nela colaborou.
Cavaco Silva deixa ainda como marca negativa o discurso ressabiado no dia da sua reeleição para o segundo mandato, em que disparou contra o governo e contra a comunicação social que durante a campanha eleitoral não o poupou sobre as suas ligações ao BPN e a sua casa de férias. A relação com o primeiro-ministro de então, José Sócrates, que Cavaco relata no prefácio do volume VI da sua obra Roteiros, fica também como testemunho da sua dificuldade em se colocar à altura do cargo e acima de animosidades pessoais.
Um dos seus fotógrafos oficiais enquanto Cavaco foi primeiro-ministro, Rui Ochoa, afirmou na TSF que Cavaco enquanto Presidente ficou, de certo modo, prisioneiro do seu staff, que o forçou a um distanciamento que o afastou dos portugueses. Tive oportunidade, durante os mandatos presidenciais de Mário Soares de encontrar Cavaco Silva nos tempos em que era primeiro-ministro e pude testemunhar a sua timidez e a protecção excessiva que lhe era feita para o afastar dos repórteres que o aguardavam nas suas idas semanais a Belém para as reuniões semanais com o presidente de então, Mário Soares.
Mas pude também verificar que em ambientes menos expostos Cavaco era capaz de ter uma palavra mais simpática e informal que, não obstante pudesse sair-lhe de modo desajeitado, mostrava que havia um Cavaco menos conhecido por detrás da máscara crispada e arrogante que ostenta publicamente.
Se fosse rei, Cavaco poderia ficar na História com o cognome de “Cavaco, o mal-amado”.
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[…] (Publicado originalmente no jornal TORNADO) […]