(1920 – 2007)
Cidadão da Resistência antifascista, um homem fiel aos seus princípios, militou activamente no PCP. Arquitecto de craveira internacional, foi uma figura cimeira do modernismo português. Homem de raras qualidades humanas com excepcional talento, é lembrado não apenas como arquitecto, mas também como uma referência moral da resistência, do regime democrático e da vida e história do PCP[1].A carreira profissional de Celestino de Castro na Arquitectura, em Portugal, foi interrompida pelo fascismo, em 1963, quando se viu na necessidade de passar à clandestinidade e depois, em 1965, a exilar-se, perseguido pelo regime.
Os longos anos de exílio e a própria modéstia de Celestino de Castro determinaram que muito poucas pessoas ( para além da sua geração e de alguns historiadores e investigadores) ficassem com a justa noção da importância da sua figura e da sua obra. Essa situação já se terá alterado de algum modo, desde que o espólio do seu atelier, doado por ele próprio ao PCP, está na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, responsável pela sua guarda, estudo e preservação.
Cidadão e Militante
Celestino Joaquim de Abreu Castro nasceu a 21 de Junho de 1920 em Paranhos (Porto), filho do arquitecto Baltazar da Silva Castro e de Mariana Amélia de Abreu Castro, professora primária.
No Porto frequentou o ensino primário e o liceu. Em 1937 foi admitido na Escola de Belas Artes e, em 1940, ainda a frequentar o 3º ano do curso especial da Escola Superior de Belas Artes do Porto, transferiu-se por motivos familiares para a Escola de Belas Artes de Lisboa, na qual terminou a sua licenciatura no ano lectivo de 1943/44.
Terminada a formação académica estagiou com o Professor Cristino da Silva, na Direcção dos Edifícios de Lisboa, do Ministério das Obras Públicas entre 1944 e 1947. Durante essa década CdC participou nas Exposições gerais de Artes Plásticas da Sociedade Nacional de Belas Artes (1946/1956), associou-se ao 1º Congresso de Arquitectura e ao 1º Congresso da União Internacional dos Arquitectos, em Lausanne (1948), e viu publicada na revista Arquitectura a primeira tradução integral da Carta de Atenas, um documento fundamental para as novas gerações de arquitectos, elaborada em parceria com Castro Rodrigues (1948). Em 1951 trabalhou na Junta de Colonização Interna.
Em 1953 filia-se no Partido Comunista Português por influência de José Dias Coelho. No Verão de 1955 fez parte da equipa nº 6 do “Inquérito a arquitectura popular em Portugal”. Entre o final dos anos 50 e o inicio dos anos 60 organizou com Manuel Barreira a Exposição Itinerante da Arquitectura Portuguesa Contemporânea. Trabalhou no Gabinete Técnico de Urbanização da câmara Municipal de Almada e no gabinete Técnico de Habitação da câmara Municipal de Lisboa (1960/62).
A sua militância no PCP conduziu-o à clandestinidade em Agosto de 1963, e mais tarde ao exilio (1965).
Celestino de Castro tem uma notável actividade como arquitecto, que foi interrompida em 1963 – Jovem arquitecto, que se afirmava como uma das mais destacadas, se não a mais destacada, figura da sua geração, vê interrompida a sua carreira ao entrar na clandestinidade. Toda a sua vida é a trajectória de um percurso pessoal, profissional, ético, intelectual e político de admirável coerência, coragem e verticalidade. É um dos mais activos participantes do movimento cultural progressista, que consegue uma importante dinâmica, sobretudo a partir das estruturas do MUD, no período posterior ao final da II Guerra Mundial. CdC participa na organização e na dinamização, e expõe trabalhos seus, em todas as Exposições Gerais de Artes Plásticas entre 1946 e 1956. Durante o exílio em Paris. desde 1965, exerce a sua actividade profissional em colaboração com diversos colegas franceses: Lucien Billard, André Mahé, Lucien Laborie, e com Christian Langlois, no «Service des Batiments et Jardins du Sénat».
Celestino de Castro volta a Portugal imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974, no mesmo avião em que viaja Álvaro Cunhal, mas só regressa definitivamente em Setembro do mesmo ano. Retoma a actividade profissional e prossegue a sua empenhada intervenção cívica e política como militante comunista. Desempenha então intensa actividade política e partidária, incluindo em tarefas de apoio à Direcção do Partido.
Em Março de 1975 ingressa na função pública, nas Brigadas de Apoio Local da Câmara Municipal de Lisboa e depois na Direcção das Instalações e Equipamentos de Saúde, onde se manteve até Junho de 1990.
Depois de regressar a Portugal realizou importantes projectos, nomeadamente o Hospital Distrital de Guimarães e o Pavilhão de Consultas Externas do Hospital de Santo António no Porto. Trabalha no Gabinete de Projecto da Festa do Avante!, durante cerca de uma década a tempo inteiro[2].
Em 1976 ajudou a converter o Sindicato nacional dos Arquitectos na Associação dos Arquitectos Portugueses, entidade na qual participou activamente até ao seu III Congresso.
Aposentou-se em 1990, passando então a dedicar parte do seu tempo ao gabinete do “projecto do Avante”.
Em 2003 foi lhe atribuída a menção de membro honorário da Ordem dos Arquitectos.
Faleceu em Lisboa, em Agosto de 2007.
O Arquitecto Celestino de Castro e o Movimento Moderno na Arquitectura portuguesa
Celestino de Castro é uma grande figura pioneira do Movimento Moderno na arquitectura portuguesa. E esse facto ainda é mais assinalável se se tiver em conta que o número das suas obras construídas é relativamente reduzido; e que se concentram em pouco mais de uma década (1948-1963) os projectos, ainda de juventude, que lhe garantem desde logo esse lugar, hoje unanimemente reconhecido por críticos e historiadores. A moradia na Rua Santos Pousada, no Porto (1948/1950), o trabalho que apresentou para obtenção do diploma de arquitecto, constitui uma fulgurante primeira obra. Celestino de Castro irrompe na arquitectura portuguesa como uma personalidade inteiramente amadurecida e com a firmeza de convicção que será sempre o seu mais marcante traço individual.
A moradia na Rua do Amial, no Porto (projecto de 1949, construção 1950/1952), é a sua obra seguinte. Se a anterior manifestara uma personalidade amadurecida, este projecto será ainda mais marcante. Sendo ambas obras que se inserem nos princípios do Movimento Moderno, elas manifestam uma inteligência arquitectónica inteiramente própria. Não se trata de seguir e de ilustrar um conjunto de princípios codificados (planta livre, fachada livre, janelas rasgadas na horizontal, cobertura em terraço ajardinado, cuidado estudo da insolação), mas de os utilizar para resolver um programa arquitectónico concreto num lugar específico, recorrendo a uma solução construtiva que combina a utilização arrojada de uma estrutura em betão armado com vernáculas paredes resistentes em alvenaria de blocos de granito (vernáculas, mas que Júlio Pomar na Rua do Amial pintará de azul cobalto, contrastando com laranja com que pinta os brise-soleil em betão). No espaço de dois anos, e com dois pequenos edifícios de habitação, Celestino de Castro abrira um horizonte novo à arquitectura portuguesa.
Naturalmente que este horizonte não se abre apenas com estes dois edifícios. Celestino de Castro é um dos mais jovens membros de uma brilhante geração que integra figuras como Keil do Amaral, Viana de Lima, Lobão Vital, Januário Godinho, João Simões e posteriormente Costa Martins, Pires Martins, Vítor Palla, Matos Veloso, Bento de Almeida, Formosinho Sanches, Pedro Cid, João Abel Manta e vários outros, cujo papel é muito destacado não apenas enquanto projectistas de grande talento, mas enquanto homens de cultura, na sua maioria progressistas, intervenientes defensores e dinamizadores da aplicação no nosso país das concepções do Movimento Moderno, dos princípios racionais e progressistas da Carta de Atenas (cuja primeira tradução integral para português é feita por Celestino de Castro, juntamente com Francisco Castro Rodrigues), procurando trazer à arquitectura portuguesa uma radical renovação estética e ética. .
Entre 1948 e 1963 Celestino de Castro tem uma intensa e diversificada actividade. Participa em concursos, em alguns dos quais é premiado. O projecto apresentado ao concurso Lusalite, aberto pela revista Arquitectura (não construído) é uma das suas obras mais notáveis. Trabalha vários estudos de escala urbanística (Avenida dos Estados Unidos, plano de conjunto e dos edifícios de habitação do lado sul, 1951/1952; Almada, trabalho no Gabinete de Urbanização, do qual resulta o desenho da avenida que ainda hoje é o grande elemento estruturante da cidade, 1958/1960; Lisboa, Plano Geral da Célula B de Olivais-Sul e acompanhamento das equipas de projecto dos edifícios, 1961/1962). Vários dos seus projectos são publicados na revista Arquitectura, que Vítor Palla recuperara e de que era director desde 1952. Publica artigos de opinião. É um importante dinamizador da sua organização de classe profissional, tendo tido um destacado papel no histórico Congresso de 1948 do Sindicato Nacional dos Arquitectos, que formula uma orientação social e esteticamente progressista e isola os defensores da retrógrada concepção de uma arquitectura de «feição nacional». Esse seu empenho associativo será retomado depois do 25 de Abril, com uma combativa intervenção nos processos de transformação do sindicato corporativo em associação de interesse público, sendo eleito para diversos órgãos do Sindicato Nacional dos Arquitectos e da Associação dos Arquitectos Portugueses que lhe sucedeu.
Entre 1955 e 1961 participa no histórico «Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal», integrando a equipa do Algarve (Equipa n.º 6, Celestino de Castro, Pires Martins, Fernando Torres), recolhendo também material na Bacia do Sado com Huertas Lobo, e trabalhando na maquete do livro da 1.ª edição.
[1] Firmeza, coragem e modéstia, enorme integridade, coerência e envergadura intelectual são qualidades com que é lembrado pelos colegas, amigos e camaradas. «Toda a gente sabe que Celestino de Castro é um homem excepcional mas nem toda a gente sabe que Celestino de Castro é um arquitecto excepcional” – Ouviu-se em 1996, na inauguração da única exposição retrospectiva do trabalho e obra do Arquitecto Celestino de Castro, realizada pelo PCP.
[2] O visitante da Atalaia, hoje, poderá reconhecer uma parte desse imenso trabalho não assinado no progressivo ordenamento e infraestruturação geral do terreno, no desenho da praça central, no belo lago na zona da várzea, em muitos dos pequenos e grandes pormenores que tornam a Festa não apenas um magnífico e inesquecível encontro, mas um encontro que se realiza num cenário único que combina a beleza natural com uma inteligente intervenção humana”.
Dados biográficos:
- istonaoestaaqui: ARQUITECTO CELESTINO DE CASTRO (1920-2007)
- Celestino de Castro, arquitecto (1920-2007) – Jornal «Avante!», Edição Nº 1760.
- SIGARRA U.Porto: Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto Celestino de Castro