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Sábado, Dezembro 21, 2024

Chico Buarque: artista de protesto, não. Pessoa de protesto, talvez

No dia (19) em que Chico Buarque completou 75 anos, o Blog do Acervo (O Globo) recuperou a longa entrevista do cantor e compositor à jornalista Ana Maria Bahiana publicada em 1º de setembro de 1976. Lá atrás, a manchete destacava a aversão do artista aos palcos: “Não tenho nenhuma vontade de fazer shows”. Agora, 43 anos depois, o título do blog é menos artístico, mais político: “‘Não sou um compositor de protesto’: Uma entrevista da época da ditadura com Chico Buarque, que faz 75 anos hoje”.Quem conhece a opinião de Chico sabe não haver novidades nesses depoimentos. Mas, no contexto da ditadura militar (1964-1985), a entrevista podia conter recados e esclarecimentos. Em 1976, aos 32 anos, Chico já tinha uma longa ficha nos órgãos de repressão e controle do regime. Chegou a ficar autoexilado na Itália por quase um ano. Era um dos compositores mais censurados do País. Ao voltar ao estúdio para gravar o disco Meus Caros Amigos, depois de três anos sem lançar álbuns, parecia preocupado em “limpar a área”. Queria paz.

Passeata dos 100 Mil

Chico Buarque participa da Passeata dos 100 Mil, em junho de 1968, ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso, José Celso Martinez Corrêa e Ítala Nandi

 

Nem por isso deixou de criticar a atuação da censura, que o atingia até nos camarins, na iminência de algumas apresentações: “Na hora mesmo da entrar no palco, aquela hora em que você não aguenta nem falar com sua mulher, vem um sujeito lhe dar recomendações, dizer que você não diga isso ou aquilo, não faça isso ou aquilo. Às vezes numa boa, com muita educação, mas às vezes de uma forma brutal… Isso é terrível. Aí, você sai para o palco e sente aquela solicitação, em cima de você”.





Tirante as perguntas repetitivas sobre a rejeição de Chico a shows, eventos e entrevistas, há trechos na antiga entrevista que ajudam a entendê-lo melhor. Conforme suas próprias palavras, Chico talvez seja “uma pessoa de protesto” – mas não um “compositor de protesto”. Enquanto o amigo Caetano Veloso já compôs até, ano destes, uma música sobre o guerrilheiro Carlos Marighela, batizada O Comunista, é fato que Chico não levou suas posições políticas – não recentemente – para sua arte.

Um pelo outro, o Chico de 1976 nada deve ao Chico de 2019.

Confira trechos de sua antiga entrevista

Foi nessa época [1975] também que você decidiu parar com seus shows, as apresentações ao vivo, não foi?

Bom, não foi assim uma decisão-decisão. Não foi de uma hora pra outra: “Bom, vou parar de fazer shows”. Foi uma perda de vontade de fazer. Hoje mesmo eu não tenho nenhuma vontade de fazer shows. Acho que não está no meu temperamento. Os baianos, por exemplo, adoram, os Doces Bárbaros. Eles ficam à vontade. Mas eu… é um desgaste incrível. Não sou só eu: tem o Edu Lobo, o Tom Jobim… A gente detesta ter de se expor, se colocar embaixo das luzes, fica meio sem saber o que fazer.

E o espetáculo com Bethânia?

Ah, aí a Bethânia ajudava, não é? Ela adora o palco, tem àquela força toda. Ela saía me puxando, mas me puxava mesmo. Quando via que eu estava desanimado, ou tenso, fazia logo uma brincadeira, um movimento qualquer. Bethânia é ótima. Posso dizer que gostei de fazer aquele espetáculo, agora que ele acabou. Foi divertido. Depois, lá de cima do palco do Canecão eu não via ninguém na plateia. Assim é mais fácil. Fogo é ficar vendo as caras das pessoas. Aí eu não consigo mesmo. Teve uma vez em São Paulo que tinha uma filmagem da TV Educativa e precisava mostrar a plateia, aí acenderam as luzes. Rapaz, quando eu vi aquelas pessoas todas, aquelas caras todas me olhando, esperando…

Não seria isso que mais te desgasta? A expectativa das pessoas?

Desgasta demais. Desgasta muito mesmo. Foi uma das razões de eu ter procurado me afastar um pouco, me guardar um pouco. Há sempre uma expectativa muito grande no ar, em cima de mim. Expectativa que eu diga algo, que eu proteste, que eu faça alguma coisa… não sei bem o quê, mas alguma coisa. E há também o outro lado, o clima de algumas noites. Teve uma excursão que eu fiz que foi terrível. Na hora mesmo da entrar no palco, aquela hora em que você não aguenta nem falar com sua mulher, vem um sujeito lhe dar recomendações, dizer que você não diga isso ou aquilo, não faça isso ou aquilo. Às vezes numa boa, com muita educação, mas às vezes de uma forma brutal… Isso é terrível. Aí, você sai para o palco e sente aquela solicitação, em cima de você.

Essa expectativa de alguma forma repercutiu em seu trabalho de compositor? Você nunca fez uma música para atender a essas solicitações do público?

Não. Isso nunca interferiu. Nunca mesmo. A composição é um ofício muito solitário, é uma coisa que sai de repente, de dentro de você, quando você está com você mesmo. Se eu fizesse músicas de outro modo, eu seria o quê? Um compositor de protesto? Eu não sou um compositor de protesto. Não sei bem o que é ser um compositor de protesto. Não faz muito sentido pra mim. Pode ser que eu seja uma pessoa de protesto. Pela carga que há em cima de mim. Mas não é uma atitude minha. As pessoas falam das minhas músicas censuradas. O que será que as pessoas imaginam que há nas minhas músicas censuradas? Muitas vezes não tem nada, há canções de amor, há brincadeiras, coisas que empacam por bobagens, que não têm nada a ver. Às vezes, esperam alguma coisa a mais nas minhas composições. Mas as minhas composições são só as minhas composições.

Mas houve uma época — o período anterior a este novo disco — em que você não compunha muito, não é?

Bom, eu nunca fui um compositor muito fértil. Eu não sou como o Jorge Ben que faz música no estúdio, faz música em uma hora, compôs o tema do filme Xica da Silva em cima de um press release que o Caca Diegues mandou pra ele… Jorge é incrível. Eu não sou assim. Eu sempre demoro muito para compor. Depois, tem o seguinte: quando eu comecei a gravar, eu tinha muita coisa guardada, coisas que eu já vinha compondo há anos e que estavam na gaveta. Aí fui para o primeiro disco com aquela vontade toda, aí vem o segundo, o terceiro… De repente você está na estaca zero, tem de começar tudo de novo. Depois, nessa época, havia todas essas tensões, eu não tinha muita vontade de compor, não. Não tinha vontade nem de pegar no violão. São fases que acontecem. Mas eu cheguei a fazer coisas, as músicas da Gota d’Água… coisas ligadas a outros projetos. Agora eu estou me reaproximando do violão. Estou com muita vontade de compor.

Não é mesmo multo comum um compositor ser, ao mesmo tempo, escritor, dramaturgo.

E até ator. Mas isso é porque eu tenho um lado muito literário em mim. Desde garoto eu escrevia coisas, contos, poemas… As pessoas dizem mesmo que meu forte é mais a letra que a música, uma coisa que eu não entendo muito, porque faço as duas coisas junto, mas eu reconheço que meu lado letrado é mais aparente que meu lado musicado. O Edu e o Tom, por exemplo, têm um lado musical muito mais desenvolvido, embora sejam compositores completos também.

E o que lhe dá uma satisfação mais completa em todas as suas atividades?

Bom, um livro ou uma peça me dão uma compensação mais duradoura, é uma coisa permanente. Mas não tem aquela explosão da música, aquela euforia que baixa assim que você acabou de compor e sai correndo para mostrar a um amigo, e acorda no dia seguinte doido para tocar. Mas é uma explosão efêmera.

O que você está fazendo agora, além de preparar o disco?

O trabalho do disco está começando agora. Estou gostando de fazer, de estar mexendo com música. Gosto do trabalho em estúdio. Um disco ao vivo é mais fácil de fazer, é como anestesia geral, quando você olha já está pronto, já acabou. Mas gosto mais do resultado final do disco de estúdio. E, depois, o estúdio é escuro… Já estamos com cinco músicas começando a gravar. Tem Passaredo Noiva da Cidade, com o Francis Hime. Estou gostando muito de trabalhar como letrista, pondo letra nas coisas do Francis, descobrindo a palavra certa, na medida, para os sons. Tem Olhos nos OlhosBasta um Dia e Mulheres de Atenas, que tem letra minha e de Augusto Boal. Foi um poema de uma peça dele – aliás é mais uma que eu tenho de musicar – que eu desenvolvi e fiz a música. E além disso, do disco, tem um musical, quase uma revista, que eu estou escrevendo com o Paulo Pontes: O Dia em que Frank Sinatra Veio ao Brasil. Isso sim é que toma tempo. E o trabalho de versão e adaptação de uma peça infantil italiana.

É muita coisa…

Não… Nem tanto. Parar de fazer shows me deixou muito tempo livre para eu ocupar melhor, desenvolvendo muitos lados. Se bem que a música não se alterou nada com isso. Música você faz em qualquer lugar, num quarto de hotel, não é preciso tempo para fazer música. Escrever um livro ou uma peça é que consome tempo.

 


Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado


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