A capital checa respira história por pontes, ruelas, praças e catedrais… e traz memórias do velho Bloco de Leste comunista.A chegada a Praga, com saída de Lisboa pela manhã, pode ser demorada, se o voo fizer escala. Seis ou sete horas horas até sair do aeroporto Ruzyne. Pouco mais de três horas se o voo for directo. Trocar algumas coroas para os transportes e esperar pelo Airport Express, sem apanhar um choque térmico, é o primeiro contacto com esta cidade do Leste europeu, que se anuncia como genuíno museu ao ar livre.
O brinde das temperaturas negativas de Março leva-nos, mesmo assim, a enfrentar o ar gélido e a aguardar pelo autocarro rumo ao centro da cidade, seja lá onde isso for. Depois do entrave comunicacional entre os recém-chegados e as meninas e moças que se entretêm a transformar o posto de turismo num salão de cabeleireiro com atendimento displicente, o melhor é mesmo confiar na intuição e subir o mais veloz possível para um transporte resguardado.
Não correu mal: escapar das concentrações de turistas e prescindir do aburguesado táxi revela-se quase sempre excelente táctica.
Pelo preço de 50 coroas checas (cerca de dois euros), o AE faz a travessia de 30 minutos até à estação ferroviária Hlavní Nádrazi. Esta é a gare principal, com ligações aos comboios regionais e internacionais, autocarros e metro.
Viajar no tempo
Nem sempre apetece seguir roteiros programados. Deambular pelas ruas, sem planos prévios, para sentir o pulsar da cidade e aquilo que ela nos tem para dizer, tem algo de sedutor. Deixamo-nos cativar sem expectativas, mas acabamos surpreendidos a cada passo. Monumentos, igrejas, ruelas, torreões e pináculos decoram a tela numa simbiose de estilos arquitectónicos, que convivem em saudável harmonia.
A forma mais acessível e barata de circular pela cidade é através dos transportes públicos. Por 100 coroas checas (perto de quatro euros) pode deslocar-se durante 24 horas de eléctrico ou autocarro, e apanhar todas as carreiras que entender. Assim, quando começar a sentir o nariz e mãos em processo de congelação, e está prestes a desmobilizar, faça nova viagem e retempere as energias.
Percorrer Praga é viajar no tempo, calcorrear becos e ruelas pitorescas. É descobrir surpresas exclusivas em cada um dos cinco bairros principais: Hradcany (Distrito do Castelo), Malá Strana (Bairro Pequeno), Josefov (Cidade Antiga de Judeus), Staré Mestro (Cidade Velha) e Nové Mestro (Cidade Nova). Desavindos nas formas, comparáveis na sedução.
Episódios do romance
Nascido nos bosques montanhosos da Boémia, o rio Moldava (Vltava) serpenteia as margens íntimas, deslizando por mais de uma dúzia de pontes em episódios de romance.
É na sua margem esquerda, encimado na colina do bairro Hradcany, que sublime, o Castelo de Praga toca o céu.
Fundado no século IX, ocupa uma área superior a 7 hectares, e hoje é residência oficial do presidente da República. Aqui ergue-se o Palácio Real e a imponente catedral de S. Vito (séc XIV).
Nas redondezas, em travessa vizinha, de nome viela dourada (Zlatá Ulièka) permanece a casa 22 onde viveu Kafka. Baixar ao bairro pequeno de Malá Strana, onde todas as construções são anteriores ao século XIX, e seguir em direcção ao rio, significa desembocar na famosa Karlúv Most, ou o mesmo será dizer ponte Rei Carlos IV.
Petrificada sobre arcos gigantes estão trinta estátuas barrocas de personagens bíblicas e vultos históricos – com a bênção de Santo António de Lisboa – que em jeito de pose contrastam com a azáfama de passos cruzados e vultos passageiros.
O coração de Praga
Deixar a ponte Carlos para trás rumo à cidade velha significa sentir-se como a formiga no carreiro. O sentido parece obrigatório e o corpo é levado na onda, empurrado por milhares de pessoas céleres, que impossibilitam inversão de marcha. Todos param na praça Starometské Námestí – o coração de Praga. Ora espreitam o relógio de pulso, ora elevam o olhar e fixam a torre adornada com ponteiros dourados. O ritual repete-se a cada troca de hora, todos os dias, meses, anos. O Orloj, ou relógio astronómico medieval, é, ao mesmo tempo, mostrador astronómico da posição do sol e da lua, calendário do zodíaco e palco para a «caminhada dos Apóstolos».
Quando bate o sino, na torre contígua à Câmara Municipal, os doze discípulos desfilam por duas janelas que se abrem 24 vezes por dia, para gáudio da enchente em atropelos de flashes persistentes. A vaidade, avareza, morte e invasão pagã, são outras estátuas representadas nesta pérola arquitectónica que acabou de celebrar 600 anos e conserva o mecanismo original do século XV.
A norte da Praça da Cidade Velha fica o bairro judeu (Josefov) com as suas sinagogas da idade Média e o cemitério judeu que abriga milhares de lápides desalinhadas. Paredes-meias proliferam lojas que ostentam «fatiotas» e «maletas» Dior, Cartier, Gucci, Prada, Rolex ou Louis Vuitton… E a uns quarteirões bem acima, sinais de diferentes tempos: A Praça Venceslau, testemunha viva de outras vontades, não deixa apagar a memória. Da Cortina de Ferro, à Primavera de Praga (1968) e Revolução de Veludo (1989), a emblemática praça foi palco de protestos históricos e mesmo hoje continua a ser onde tudo acontece.
Este é o local mais cosmopolita de Praga. De um lado o Museu Nacional, do outro recantos com massagens tailandesas. Na mesma avenida convivem lado a lado casas de câmbio, restaurantes, botecos de fast-food, pubs, discotecas e demais cruzamentos de línguas e credos. Aprenda a saudação ahoj (á-hói), utilizada como olá e adeus e não espere grandes informações em linguajar entendível além do idioma checo. Ahoj Praga!
A não perder
Criada para alimentar homens grandes, com trabalho físico exigente, sob condições climatéricas adversas, a gastronomia tradicional checa é a chamada «enfarta-brutos»: pratos fortes, ricos em calorias, servidos em quantidades generosas, como não desmente o típico goulash.
Embora o néctar de Baco esteja bem representado pela produção vinícola da Boémia, e seja habitual vender-se vinho quente na rua, a cerveja é a rainha da noite… e do dia. Com mais de 400 tipos de «pivó», a República Checa orgulha-se de ser a maior consumidora de cerveja do mundo.
Seja Pilsner, Urquell, Gambrinus, Radegast, Budweiser, Staropramen… seja sem álcool, ou de 12 graus, seja em garrafa ou em canecas de meio litro, a cerveja checa é um verdadeiro ícone nacional. Em muitos sítios mais barata que a água, ela chega a ser a atracção turística à qual de deve render.
Em Praga, além das sempre presentes salsichas vendidas em rulotes por praças e ruelas locais, uma das especialidades é o presunto assado ao ar livre, servido com pão e mostarda. Também na rua pode encontrar o doce Trdelník, um tubo anelado feito de massa fina e crocante, assada em espetos que ficam rodando sobre o fogo.
Sabia que…
… Praga é a capital da República Checa, tem mais de um milhão de habitantes e ocupa uma área de cerca de 500 km2. A cidade é atravessada pelo rio Moldava, que percorre as duas margens ligadas por 17 pontes.
… A República Checa foi criada em 1993, depois da cisão da Checoslováquia em dois países. Aderiu à União Europeia (UE) em 2004 mas ainda não faz parte da zona euro. Milos Zeman é o chefe de Estado desde 8 de Março de 2013 e tem causado várias polémicas com as suas declarações anti-islâmicas.
… O centro histórico que se estende por uma superfície de 866 hectares figura desde 1992 na lista do Património Cultural Mundial da UNESCO.
… A abundância de torres e miradouros valeu-lhe no passado o atributo de «cem cúpulas». Actualmente, contabilizam-se em meio milhar.
… Famosa por ser um dos grandes centros culturais europeus, foi berço de nomes como os compositores Antonín Dvorák e Bedrich Smetana, e os escritores Franz Kafka, MIlan Kunfera, Rainer Maria Rilke, ou Jaroslav Hasek.
… É na barroca Igreja de Nossa Senhora Vitória que mora o Menino Jesus de Praga, um dos locais de peregrinação mais afamados no estrangeiro. Situa-se no Bairro Pequeno.
… No bairro judeu, pode encontrar a mais antiga sinagoga da Europa, que data de 1270 e é um dos primeiros edifícios góticos de Praga. Atrás fica o cemitério judeu, do século XV, com mais de 12 mil lápides.
… Segundo dados de 2010, mais de 425 mil estrangeiros viviam legalmente na República Checa; os mais numerosos são os ucranianos, os eslovacos, os vietnamitas e os russos.
… Uma das grandes atracções das margens do Moldava é a Casa Dançante, uma peça arquitectónica única, projectada pelos arquitectos Frank O. Gehry e V. Milunic, inspirados nos bailarinos Ginger Rogers e Fred Astaire. O edifício reflecte o conceito de arquitectura desconstrutivista e levantou forte polémica em meados dosa nos 90. No edifício vizinho, com um globo no topo, nasceu e viveu Vaclav Havel, antigo Presidente da República Checo.
[…] Source: Cidade das cem cúpulas – Jornal Tornado […]