Cinzento e Negro é uma história intensa de crime e castigo, no melhor estilo das tragédias gregas, mas também em Raúl Brandão e Cesare Pavese, como comprovará o cineasta português Luís Filipe Rocha neste filme surpreendente que encontra o seu cenário ideal nas ilhas do Faial e do Pico, nos Açores.
No entanto, temos de dizer que o filme dificilmente teria a mesma personalidade sem o excelente quarteto de actores que conseguem um resultado que gostávamos que fosse repetido mais vezes em Portugal. Bravo Joana Bárcia, Miguel Borges, Filipe Duarte e Mónica Calle.
Cinzento e Negro foi produzido pela Fado Filme e já circulou, entretanto, por diversos festivais portugueses e estrangeiros, onde recebeu alguns prémios, como o prémio do público dos Caminhos do Cinema Português, bem como o prémio de melhor actor para Filipe Duarte e a banda sonora para Mário Laginha. Passou ainda por Montreal, onde recebeu o grande prémio das Américas.
O Jornal Tornado recolheu a opinião do realizador numa troca de emails.
Jornal Tornado – Caro Luís Filipe Rocha, comecemos pelo início, o que o levou a esta história de traição e vingança na origem de Cinzento e Negro?
Luís Filipe Rocha – Em Setembro de 2003, dirigi-me a uma agência funerária para encomendar o enterro de um familiar. A mulher que me atendeu era coxa e usava uma bota ortopédica. Um mês depois, fui a Almada ver uma peça de teatro. Cheguei antes da hora e sentei-me numa pequena esplanada de uma modesta taberna, no passeio. Minutos depois vi a mulher da agência funerária passar no passeio do outro lado da rua, a coxear, carregando alguns sacos de plástico com compras. Ao seu lado, de mãos nos bolsos, caminhava um homem que, pelo silêncio e pela displicência, só podia ser o seu companheiro.
Essas duas imagens, para mim de uma desolação, uma injustiça e uma tristeza que clamam raivosamente por vingança, perseguiram-me até 2009, data em que a sua energia e a sua persistência me levaram a escrever esta história.
Presumo que tenha sido intencional a escolha do Pico para se impor como cenário…
Antes de começar a escrever o filme, revisitei as Tragédias Gregas. O teatro ao ar livre, normalmente em locais elevados, para beneficiar da luz natural, era o Palco Trágico. Para mim, o Pico, pela sua origem vulcânica, oferece um palco único para o desenrolar e desenlaçar de qualquer tragédia. Desde que comecei a escrever esta história que pensei no Pico como o seu “palco”.
Naturalmente, um filme como este só resulta com um naipe de actores muito experientes. Todos eles num nível altíssimo, ainda que a presença de Joana Bárcia seja do outro mundo.
Pela primeira vez não fiz “casting” como é meu costume: com testes demorados e minuciosos ou com visitas ao teatro. Deixei-me levar pela empatia e pela intuição. Com a excepção do Filipe Duarte, que conheci no filme anterior, não escolhi os actores: dei-lhes o guião a ler e conversei com eles. A corrente estabeleceu-se entre nós, a partir da história e das suas personagens, e acredito que a escolha foi mútua e confiante. O trabalho não podia ter corrido melhor.
Sente que as raízes e a importância do Cinema Novo ainda hoje têm a sua relevância para o cinema que faz?
Aquilo a que se chama Cinema Novo foi importante, juntamente com o 25 de Abril, pelas oportunidades e pelas condições que criou para que eu e outros pudéssemos começar a filmar. Mas nunca me senti integrado num movimento e nunca frequentei capelinhas. Também não tive mestres ou modelos porque, como cineasta, sou autodidacta. O que pode ter relevância no cinema que faço é a sinceridade com que realizo cada filme.
Tem algum outro projecto para desenvolver em parceria com o Luís Galvão Teles?
Estou a realizar um documentário longo, com o título Rosas de Ermera, e temos outros projectos que são ainda… apenas projectos.