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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

Política de Cidades: Uma estratégia para a sustentabilidade e para o futuro

J. Norberto Pires
J. Norberto Pires
Professor da Universidade de Coimbra, área de Robótica e Engenheiro

Este artigo é uma reflexão sobre a necessidade de pensar as cidades de forma global, na sua sustentabilidade e nas relações que devem promover com outras cidades da sua região e de regiões diferentes.

Porque me preocupa, não só por ser a cidade onde vivo, mas também porque atingiu níveis de degradação muito elevados, centro a minha reflexão em aspectos relacionados com a cidade de Coimbra. Assim, uma estratégia de longo prazo para a cidade/região de Coimbra terá que incluir a capacidade de reconstruir e distribuir o sector industrial, não poluente, sinónimo de uma cidade capaz de gerar e atrair iniciativas inovadoras.

Coimbra tem de ter uma política coerente de localização empresarial, devidamente estratificada, com opções e com valores, procurando também que muitos negócios estejam espalhados por espaços dentro da própria cidade, tirando assim partido de vários edifícios e locais que estão um pouco ao abandono.

Há uma confusão muito séria entre indústria e imagens difusas de algo pesado, mal-pago, poluente e indesejável. É uma confusão muito negativa e absolutamente incompreensível nos tempos que correm, a qual tenta reduzir a “boa e desejável indústria” aos serviços e à realização de coisas imateriais, como se todos os produtos que usamos e que, de certa forma, são essenciais ao nosso modo de vida, fossem produzidos por passes de mágica.

Cidades sustentáveis

O que as cidades têm de fazer é criar as condições para serem sustentáveis, identificando as áreas e os tipos de indústrias que deve privilegiar tendo em conta as suas potencialidades e recursos, mas também planos concretos de renovação e ocupação do espaço urbano. Isso implica que os órgãos de Governo da cidade/região devem ser capazes de ver toda a sua actividade de forma global e interligada.

Não há economia, nem investimento, nem empresas competitivas, nem actividade económica, e, consequentemente, emprego e capacidade de atrair pessoas que geram oportunidades, sem organização urbana, sem respeito pelo ambiente, sem cultura, sem educação de qualidade, sem uma forte ligação das unidades de conhecimento à economia e à sociedade, sem respeito pelos mais velhos, e pelos mais novos, sem atividades para as famílias, sem comércio, sem criar mecanismos para desenvolver uma vivência profundamente democrática e baseada em valores que resultam de uma identidade cultural própria. Todos estes aspetos são interdependentes. Não se faz bem um deles, sem cuidar dos outros, pelo que tentar apontar uns, rejeitando outros, como se fossem opções independentes, é somente muito errado.

Uma boa estratégia consiste na capacidade de priorizar ações, porque justamente um edifício se constrói passo-a-passo, começando pelas fundações, tendo o cuidado de definir que as mais-valias geradas são essenciais para realizar e desenvolver os aspetos integradores, civilizacionais e culturais que, na verdade, serão os aspetos distintivos da nossa identidade. O problema nunca pode estar na necessidade urgente de privilegiar ações que criem atividade económica e gerem mais-valias, mas sim na concentração e má distribuição desses resultados para ações de interesse comum.

Desafios estratégicos

Uma estratégia consistente, a longo-prazo, com preocupações profundas de sustentabilidade, apresenta os seguintes desafios estratégicos.

O primeiro desafio estratégico é o que se relaciona com o conhecimento, a capacidade de transformar esse conhecimento em actividade económica, em inovação, gerando vantagens competitivas. Este desafio estratégico, assim como todos os outros, obriga a acções em várias áreas, com envolvências muito diferentes (local, inter-municipal, regional e inter-regional), o que exige uma capacidade de coordenação muito eficiente. Estão aqui os aspectos da cooperação inter-municipal e da internacionalização, do emprego, da valorização empresarial, da inovação urbana, da identidade como factor de atratividade e a utilização de sistemas electrónicos para garantir a eficiência da gestão e governação da cidade/região.

O segundo desafio estratégico relaciona-se com a decisiva preocupação de sustentabilidade e profissionalismo, visando elevados graus de eficiência na governação da cidade/região. Este desafio, muito complexo, envolve, entre outros, os aspectos da regeneração e reabilitação do espaço urbano, da habitação, nas suas várias vertentes, da modelação do ambiente urbano, dos aspectos energéticos, dos impactos e riscos ambientais e da integração urbano-rural.

O terceiro desafio estratégico aborda as pessoas e os problemas de inclusão. Aspectos relacionados com a inclusão, definição de comunidades urbanas, de uma certa identidade e capacidade de intervenção, são essenciais para a sustentabilidade das acções desenvolvidas.

O quarto desafio estratégico preocupa-se com a formas como a cidade/região se governa, se relaciona com as outras cidades/regiões, como estabeleceu parcerias com instituições relevantes no sentido de melhorar a sua governação, mas também, nos aspectos relacionados com a participação democrática dos cidadãos, no respectivo acesso a informação e na garantia de que todos são chamados para a missão de participar nos destinos da sua cidade/região.

Conceitos chave

Quais devem ser os conceitos chave do processo de construção de uma cidade/região que privilegie os ideais e seja capaz de identificar, avaliar e materializar boas ideias em benefício de toda a comunidade? Por outras palavras, que variáveis devemos desenvolver para que a nossa cidade/região seja capaz de se tornar a escolha daqueles que procuram novas ideias e se identificam com essa atitude inconformada?

Nada desta discussão tem a ver com listas de pessoas. Constitui, na verdade, um debate prévio a cada projecto e tem a ver com um tipo de independência que é muito mal compreendida na nossa sociedade: a capacidade de em conjunto, sem objectivos relacionados com a circunstância pessoal de cada um, ser capaz de contribuir para o desenvolvimento de uma ideia global, a médio e longo-prazo, de cidade e região.

A escolha das pessoas deveria ser posterior a tudo isso, isto é, a escolha de pessoas deveria ser uma consequência do debate programático e de estratégia, permitindo que as lideranças se afirmem por isso mesmo, pela capacidade de liderar, e não por estratégias de pequeno grupo.

Na minha opinião, e tendo em conta a cidade de Coimbra, daria prioridade a 5 conceitos, que são transversais a todos os desafios estratégicos definidos acima e estão, todos eles, relacionados com uma urgente mudança de atitude:

Inovação: ser capaz de introduzir novas formas de realizar, mais eficientes, mais preocupadas com o ambiente e com as pessoas;Competência, profissionalismo e rigor: privilegiando com clareza a ideia de escolher os mais bem preparados e colocar o foco na capacidade de fazer bem as coisas no interesse de toda a comunidade;Desenvolvimento de uma forte identidade local/regional: baseada em valores culturais e históricos que de alguma forma possam ser factores de união e de um certo bairrismo;Ideia clara de comunidade e de cidadania: é essencial que este conceito seja desenvolvido e considerado prioritário. Dele depende uma atitude inconformada de dedicação à comunidade, mas também da necessária valorização dos esforços que tenham a comunidade e os ganhos colectivos como objectivo essencial;Abertura ao mundo: desenvolvimento de uma cultura que procure novas ideias e novas culturas, procurando incorporá-las, dando-lhes espaço, e permitindo que se desenvolvam.

Mudança de atitude

Estou firmemente convencido que a sociedade do futuro deve fomentar uma mudança radical de atitude, rejeitando os interesses de pequenos grupos e a promiscuidade entre o interesse público e o interesse privado, que são duas das principais causas da fraqueza económico-industrial relativa da cidade/região (e do país), transferindo o seu apoio para pessoas e grupos de pessoas com elevada competência técnica, elevados padrões éticos e que estão prontos a assumir responsabilidades a médio e longo prazo para a regeneração do tecido económico-industrial da cidade/região (e do país).

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