Pulou da cama, de pijama, rodopiou pelo quarto e para ter a certeza de que não sonhava, correu até à geleira e aviou-se de uma cerveja das grandes, quase 1 litro de conteúdo etílico, e deixou-se cair redondo sobre o sofá depois de dois arrotos que ecoaram pelos corredores mas sem danos colaterais porque todos em casa dormiam.
Eram quatro horas da madrugada e aquela necessidade extrema de deambular pela casa poderia ser um primeiro sinal de um ciclo de insónias a caminho.
– A política lixa-nos a vida, está visto. Sempre tive um sono tranquilo – queixou-se Sérgio Inocente depois de tomar consciência do insólito da situação, uma segunda cerveja na mão numa sala a meia-luz, com o risco real de uma bebedeira a uma hora tão estranha.
Tinha estado a sonhar, na verdade!
Despertou tenso porque os seus maiores temores de candidato, de tanto neles pensar, renderam-lhe esse sonho assustador. Um pesadelo, bem vistas as coisas.
Com as eleições à porta, ver-se na pele de um derrotado porque o mecanismo da fraude pôde mais que as suas mobilizadoras campanhas, desbaratou-o em toda a estrutura mental. Foi esse o conteúdo do sonho e, antes que se fizesse manhã, tinha resolvido começar a trabalhar num plano anti-fraude.
– Alô, soba Mangwala, o mais-velho tem acompanhado a contagem dos que vão votar aí na aldeia? – perguntou quase aos gritos, num telefonema que era a estampa perfeita do seu estado de espírito.
– Quantas horas o mano tem ali, “pru” favor? – reagiu o soba arrancado do seu repouso. Meio zonzo porque não era hábito um político ligar-lhe tão cedo, menos ainda Sérgio Inocente, que é geralmente homem de chamadas telefónicas só depois das 15 horas para conversas de língua enrolada, já com o whisky em grandes estragos.
– Soba Mangwala, vamos ao que interessa. Quantas pessoas estão registadas na aldeia para votarem?
– Xô candidato Sérgio, meu filho, temos aqui três mil rapazes novos, e meninas também, que deram os nomes aos homens das brigadas.
– Obrigado soba, podes voltar a dormir, se quiseres. Eu é que já tenho o dia estragado – disse Sérgio Inocente, enquanto desligava.
“Ora bem, estão apanhados. Nas eleições passadas, só foram dois mil e oitocentos. De onde saíram os outros?”. E foi o redemoinho na cabeça, às voltas, às voltas, às voltas…
Não sabia o candidato, às tantas, se era dos dois litros de cerveja àquela hora, vazio no estômago e mente agitada, ou se tinha mesmo razões para desconfiar dos números do registo.
O mundo lá fora, o das estatísticas pelo menos, tinha uma explicação límpida como a água da fonte. Das eleições passadas até ao processo de actualização de dados para a nova ida às urnas, passaram-se cinco anos. E a vida nunca parou. Quem tinha treze anos naquelas eleições, agora tem dezoito. Portanto…
O autor escreve em PT Angola.