No dia 17 de maio, o presidente do Equador Guillermo Lasso usou um decreto executivo para dissolver a Assembleia Nacional, o parlamento unicameral do país, e solicitar novas eleições gerais, inclusive para seu cargo de presidente. Com isso, ele escapa de um impeachment julgado pelos deputados e ainda ganha algum tempo para governar por decreto.
“Com isso, ele acaba de ganhar tempo para um pacote de maldades”, disse em suas redes sociais a analista internacional Ana Prestes, que considera Lasso “o que a política sul-americana já produziu de pior”. Ela se refere a uma série de medidas que o governo pode tomar de forma autoritária para favorecer banqueiros e elites, em detrimento dos trabalhadores equatorianos.
Uma vez realizadas as eleições no prazo de três a, no máximo, seis meses, os eleitos assumem os cargos para o tempo restante dos mandatos vigentes, tanto Presidência como parlamentares, ou seja, até 2025. E Lasso não pode ser reeleito.
Neoliberalismo às pressas
A grande preocupação com toda esta movimentação autoritária, é justamente sobre o que Lasso vai aproveitar para fazer durante os meses em que poderá governar com decretos-leis. “Além de construir a sua própria saída, possivelmente até do país, para se livrar de processos, vem aí um pacote de maldades neoliberais”, prevê a cientista política.
O primeiro decreto-lei utilizado por Lasso foi para promover uma reforma tributária que, ao mesmo tempo em que acena para as famílias com aumento dos valores dos gastos dedutíveis no imposto de renda, destaca Ana, tira transparência da publicação das declarações favorecendo sonegadores.
“O que se espera para os próximos dias são decretos-leis que permitam a privatização da educação superior, saúde e setor energético. Além de medidas laborais com a desregulamentação de leis trabalhistas e uma reforma previdenciária pró-bancos, acenando para a ‘base’ de Lasso”, pontuou.
“O Lasso que hoje tenta fugir do juízo com um autogolpe para se livrar da justiça e entregar favores aos seus, nos últimos meses de sobrevida, fez mais uma vez um mal enorme ao Equador”, avalia.
Comoção por conveniência
O dispositivo constitucional utilizado por Lasso para tomar esta medida se chama “morte cruzada”, e é a primeira vez, desde a Constituição de 2008, que é usado no país. Pelo mecanismo, respeitando algumas justificativas, haveria um cruzamento entre o fechamento imediato do parlamento, e o encerramento do governo alguns meses depois, após realização de nova eleição presidencial.
No entanto, Ana ressalta o fato de pairar dúvida sobre a legalidade de sua aplicação por Lasso, especialmente pela justificativa adotada. Segundo o presidente, por seus próprios critérios, a “morte cruzada” se justificaria neste momento pelo estado de “comoção nacional e crise política” em que se encontra o país. “Curioso que em junho de 2022, quando indígenas e estudantes pararam o país, ele não via a comoção nacional”, lembrou a socióloga, referindo-se a greve geral e repressão policial, devido à profunda crise de emprego e insegurança alimentar no país.
Para ela, a verdadeira comoção nacional que mobiliza Lasso é o processo de impeachment, ou “juízo político”, nos termos equatorianos, que ele teria que enfrentar justamente a partir desta semana. “Há, portanto, um quê de vingança política no uso da morte cruzada para punir o parlamento”, avalia a especialista.
Ela observa também que, embora a Corte Constitucional do país ainda não tenha se pronunciado sobre a legalidade do decreto executivo 741 de Lasso, as Forças Armadas e as polícias já apoiam o ato como constitucional, com apoio de organismos internacionais alinhados aos interesses americanos como a OEA (Organização dos Estados Americanos), embaixadas dos EUA, Canadá e Peru.
Base banqueira
Ana Prestes também recordou os vínculos históricos de Lasso com os interesses do sistema financeiro e as piores práticas neoliberais. “É bom lembrar que, desde os anos 1990, Lasso faz essa ponte entre a política e o setor bancário”, diz. Em 1993, quando ele assumiu a presidência do Banco de Guayaquil, passou a ser também o presidente da Associação de Bancos Privados do Equador.
Outra lembrança nefasta é que, em 1994, com influência sobre o vice-presidente da época, Alberto Dahik, mobiliza pela aprovação da Lei Geral de Instituições Financeiras, que cria as condições legais para o processo de dolarização do país que viria em 1999, com Lasso superministro da economia de J. Mahuad.
“O dispositivo do ‘feriado bancário’, usado por Lasso e Mahuad na época, promoveu o congelamento das contas e as pessoas recebiam a informação de que havia zero sucres, moeda nacional, em suas contas bancárias. Foi estabelecido um caos social completo, com uma massiva migração”, relata Ana.
Nesta época, a pobreza do Equador passou de 80%, o desemprego em 18% e metade dos trabalhadores no subemprego. Mas Lasso, estava associado a 49 empresas offshore, sendo que uma delas, sediada nas Ilhas Cayman, passou de um milhão de dólares de patrimônio, em 1999, para 31 milhões de dólares, em 2002.
Governo popular e golpismo
O resultado foi que em janeiro de 2000, o governo de Mahuad, de quem Lasso era ministro, foi derrubado por grande levante popular e indígena. O próximo presidente a ser derrubado seria Lucio Gutierrez (2005), e, somente em 2007, o país ganha estabilidade com Rafael Correa, de acordo com o relato da analista.
Rafael Correa governou até 2017 e promoveu o que ficou conhecido como Revolución Ciudadana. Seu sucessor, Lenin Moreno, do mesmo partido de Correa na época, o Alianza País, traiu o projeto, durante seu governo, e incentivou a perseguição política a seus ex correligionários. Correa precisou se exilar.
“O governo de Lenin Moreno foi um fracasso em tantas dimensões, mas, para destacar apenas uma, fico com o registro da tragédia humanitária durante o auge da pandemia de Covid em que se multiplicavam corpos de pessoas falecidas sem socorro pelas casas e ruas de Guayaquil”, destacou ela, citando imagens que chocaram o mundo.
Infelizmente, pondera a cientista política, uma grande divisão na sociedade equatoriana, no pleito de 2021, após a saída de Lenin Moreno, fez com que o projeto da Revolucion Ciudadana, representado por Andrez Arauz, e o projeto dos setores indígenas pachacuti, representado por Yaku Perez, saíssem separados.
“A divisão entre a esquerda, movimentos populares e indígenas, fez com que Guillermo Lasso, o banqueiro das offshores, e que não deixou suas atividades privadas ao ser eleito, voltasse à cena política equatoriana, levando a população novamente à pobreza e migração massiva”, lamentou.
por Cezar Xavier | Texto em português do Brasil
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