A analista internacional Ana Prestes concorda que a provocação americana mexeu com um padrão diplomático, e dá início a uma nova estratégia chinesa.
O editorial do jornal estatal chinês Global Times apontou, ontem (4), consequências da visita da presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan, território considerado “província rebelde” pela China. Segundo o texto, a visita favoreceu a estratégia de reunificação do território chinês, com avanço de operações militares de dissuasão no estreito marítimo.
Em entrevista ao portal Vermelho, a analista internacional Ana Prestes concorda que a provocação da deputada favoreceu uma nova etapa do processo, ao “mexer com o que estava quieto”. “A China vai tomar medidas preventivas, porque, quem vai visitar Taiwan, agora? O presidente dos EUA?”, indagou ela, que é secretária de Relações Internacionais do PCdoB.
A partir desta quinta-feira (4), o exército chinês iniciou exercícios militares e atividades de treinamento, incluindo exercícios de tiro em áreas marítimas ao redor da ilha. Na tarde de quinta-feira, o Comando despachou mais de 100 aviões de guerra e sua Força de Mísseis lançou ataques a leste da ilha, e todos os mísseis atingiram com precisão seus alvos marítimos.
Interesses da humanidade
Ana considera importante reafirmar algo que parece óbvio, mas precisa ser dito. “Foi muito grave o que os americanos fizeram. Foi desrespeitosa a visita e a desresponsabilização do Blinken, ao dizer que a visita era unicamente responsabilidade da Pelosi e do Congresso. Não é assim. Foi praticamente um ataque a um país que deixa muito clara a importância de sua unidade territorial”, enfatizou.
Deliberadamente, na opinião dela, os EUA elevaram o nível de tensão, num momento em que ocorre outro grande e paradigmático conflito entre Rússia e Ucrânia. “Isso é contra os interesses de toda a humanidade”, declarou.
Os EUA quebraram um padrão diplomático estabelecido no acordo de 1979, quando se comprometiam a respeitar a política de uma só China.
O Global Times opina que: “Tal situação no Estreito de Taiwan tornou-se mais clara – cada vez que os EUA e Taiwan conspiram e provocam, o controle real do continente chinês sobre a ilha de Taiwan será fortalecido, e o processo de reunificação avançará um passo à frente. (…) a intensidade de nossas contramedidas é sem precedentes”.
O editorial fala em exercícios militares inovadores, com o risco aumentado sobre os esforços de independência, além de compressão ainda maior do espaço para suas ações futuras. Os militares chineses teriam colocado em prática capacidade de antiacesso e negação de área a Taiwan, o que seria “só o começo”.
Resposta à altura
Às vésperas da visita, a China ameaçou uma resposta contundente à provocação. Ana diz que a resposta chinesa é sempre “lenta e profunda”. “Eles intensificaram o bloqueio econômico, aumentando a lista de produtos que os taiwaneses não podem adquirir, e cercaram a ilha navalmente, com exercícios militares no estreito de Taiwan”, apontou. Para a socióloga, o processo foi iniciado.
O Global Times usa uma imagem poética tipicamente oriental para definir o processo de reunificação: é um rio que corre, inevitavelmente, para o mar.
O editorial também sinaliza para as complicações que o episódio revela para a reunificação territorial, com as intenções americanas de contenção. “ é tão complicado que até hoje não aconteceu. Mas não acho que as condições pioraram com a provocação dos EUA”, avalia Ana.
Segundo ela, o episódio deu mais argumentos e legitimidade à reivindicação chinesa para acabar com o movimento secessionista de Taiwan. A solidariedade internacional demonstrada neste incidente diplomático, na opinião dela, fortalece a China. “Houve diferenças, inclusive, dentro dos EUA sobre esta visita”.
Silêncio hipócrita
Sobre o “silêncio hipócrita europeu” em relação à visita indesejada, mencionado no editorial, a analista lembra que pouco antes de terminar sua gestão na União Europeia, a alemã Angela Merkel fechou um acordo importante com a China, ao mesmo tempo em que está completamente rendida aos EUA com a guerra da Ucrânia, evitando opinar.
No entanto, após as consequências militares chinesas, os ministros das Relações Exteriores do G7 e o alto representante da União Europeia emitiram uma declaração conjunta, na quarta-feira, criticando a militarização da região, assim como fez a Casa Branca. “Pretensamente, são contra as guerras. Mas promovem uma na Ucrânia que não conseguem resolver”, concluiu Ana.
“Se eles estavam realmente ‘preocupados’ com a paz e a estabilidade no Estreito, por que não emitiram uma declaração para impedir ou pelo menos criticar a visita de Pelosi antes de sua viagem?”, questiona o editorial.
O editorial conclui de forma enfática: “O princípio de uma só China tem apenas uma versão e um significado: há apenas uma China no mundo, Taiwan é uma parte inalienável do território da China e o governo da República Popular da China é o único governo legal que representa toda a China . De certa forma, os exercícios e treinamentos militares atuais do Exército de Libertação do Povo Chinês são uma demonstração poderosa de uma China”.
por Cézar Xavier | Texto em português do Brasil
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