No dia 18 de maio de 1973, a menina Aracelli Cabrera Crespo, de apenas 8 anos, foi drogada, espancada, estuprada e assassinada, em Vitória, capital do Espírito Santo. Seu corpo foi encontrado carbonizado, seis dias depois. Num primeiro julgamento os três acusados foram condenados à prisão. Num segundo julgamento os suspeitos foram absolvidos.
Para que essa violência sem nome nunca seja esquecida, foi criado no ano de 2000, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. O que mudou no país 48 anos após esse crime hediondo?
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“A situação está regredindo porque as políticas públicas vêm sendo abandonadas por esse desgoverno”, diz Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Sociais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
O governo federal apresenta “um viés de moralidade, voltado para a negação das descobertas da ciência sobre o que é a criança”, afirma André Tredinnick, juiz titular da 1ª Vara de Família da Leopoldina Regional do Rio de Janeiro.
Ele explica que a melhor forma de combate ao abuso e à exploração sexual é “a informação como instrumento de defesa” porque essa visão negacionista “não somente culpabiliza a vítima como a expõe ao abuso” e isso “só pode ser detido com uma informação eficaz”.
De acordo com levantamento feito pela Ong Childhood Brasil, o país registra 500 mil casos de exploração sexual de crianças e adolescentes anualmente. No mundo só perde para a Tailândia. Mais de 90% das vítimas são meninas.
Somente entre 2011 e 2017, o Disque 100 recebeu 203.275 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. As faixas etárias de 12 a 14 anos foram responsáveis por 28% das denúncias, as meninas de 15 a 17 anos, 22% e de 8 a 11 anos, 19%.
“É assustador averiguar esses números”, argumenta Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB. “O que estamos fazendo com nossas crianças e jovens?”, questiona. “Até quando vamos suportar e manter impunes esses crimes? Sabendo ainda que a subnotificação pode girar em torno de 90%”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 13 de julho de 1990, determina que a família, o Estado e a sociedade são responsáveis pela proteção e educação das crianças e adolescentes.
Levantamento feito pelo G1 aponta um crescimento vertiginoso da violência contra crianças e adolescentes durante a pandemia, lembrando que 80% dos crimes ocorrem dentro de casa por familiares ou conhecidos das vítimas.
“Só no Conselho Tutelar do Rio Pequeno e Raposo Tavares, na Zona Oeste de São Paulo, as denúncias de abuso sexual, agressão física e maus-tratos contra crianças e adolescentes aumentaram 670% de janeiro a abril deste ano em relação à mesma época do ano passado. Se comparadas as queixas feitas nos quatro primeiros meses de 2019 com igual período deste ano, o crescimento foi de 215%”, diz a reportagem do G1.
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Outro problema muito grave é que “a palavra da criança não é levada a sério, sendo que quase 100% dos casos em que as crianças relatam abuso sexual são verdadeiros”, relata o advogado Charles Bicca, presidente da Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Para o juiz Treddinick, “o medo de falar sobre sexo com as crianças é um dos grandes fatores de aumento do abuso”. Porque “a criança tem que ser informada conforme a sua faixa etária, como ocorre em vários países com comprovação em várias pesquisas científicas”.
Com informação de qualidade, a criança “consegue saber o que é um abuso e consegue também após a puberdade construir a sua sexualidade com afetividade, não com violência, não como uma forma de consumo, de massacre, de controle”.
Vânia defende um amplo trabalho de educação de toda a sociedade brasileira pelo respeito às crianças e adolescentes. “É preciso intensificar um amplo debate envolvendo toda a sociedade sobre a necessidade de proteção às crianças e adolescentes”, diz. “O que vemos”, no entanto, “é o contrário disso. O fundamentalismo religioso e o patriarcalismo estão cegando a sociedade sobre os direitos das crianças e adolescentes”.
Com informação e diálogo, os jovens podem realizar “uma formação mental amorosa da ideia de sexo”, diz Treddinick. Ele defende a educação sexual na escola para “trabalhar a diversidade, as opções, as orientações e as diversas possibilidades do ser humano”, conclui.
Celina reforça a necessidade de constar nos currículos escolares “o ensino sobre as questões de gênero, ensinando as crianças e jovens a identificar os sinais de abuso e às famílias como proteger suas filhas e filhos”.
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