… num contexto democrático pluralista?
“Não se diz a uma árvore: Nunca me sentarei à tua sombra.”
Provérbio africano
“As estrelas brilham mais quanto mais oculta está a lua.”
Provérbio africano
“O caso moçambicano”
Há quem insista na velha máxima conservadora de que “o que está bem não se mexe”, mas o mais certo é que quando os contextos e as circunstâncias mudam, temos de nos adaptar e avançar para a mudança sem rupturas destrutivas. Depois não nos podemos esquecer nunca do velho provérbio africano “A censura é como o vento: se não se vê, sente-se”.
Não temos dúvidas que verdadeiramente, o estabelecimento das forças armadas e policiais “democráticas” e “apartidárias” em Moçambique é um desafio por concretizar e apenas será efectivo se as grandes instituições do estado adquirirem e interiorizarem valores democráticos e desenvolverem uma cultura militar e política consequente com o novo sistema implantado.
Levantamos por isso várias questões pertinentes e importantes, a saber:
- Qual a possibilidade de as forças armadas e das forças policiais de Moçambique poderem desenvolver uma verdadeira cultura democrática- apartidária e aceitar as ideias definitivas de transparência total, subordinação ao poder político civil e ao escrutínio público como princípios funcionais numa sociedade onde não existe claramente tradição democrática-pluripartidária, com separação de poderes e do tipo ocidental?
- Qual a melhor forma de as forças armadas adquirirem um alto grau de profissionalismo, competência e a legitimidade militar, policial e política necessárias para melhor servirem um qualquer poder democraticamente eleito? Como conquistar a confiança dos guerrilheiros armados do principal partido da oposição e signatário do acordo de paz de Roma e outros compromissos, desarmando-o e integrando-o de forma séria e digna nas novas forças armadas e policiais “democráticas”?
Com efeito, as forças armadas enquanto instituição do estado com acesso exclusivo aos meios legais de violência e coerção, constituem por isso uma fonte importante de poder, como consequência, elas estão sempre em posição vantajosa para decidir em última instância o resultado de qualquer diferendo ou conflito favorecendo um dos oponentes em confronto de forma clara e deliberada. Num verdadeiro estado de direito, elas devem ser o garante da ordem e da estabilidade e não ser um instrumento ao serviço partidário.
Servir uma nação e um povo num contexto democrático não pode ser confundido com servir um partido no poder e a sua matriz ideológica; nem patriotismo deve ser confundido com estar ao serviço ideológico de quem detêm o poder desrespeitando a constituição e os sucessivos compromissos com a pátria e a sociedade que juraram defender em quaisquer circunstâncias e contextos, que como sabemos mudaram desde o acordo de paz de Roma.
Por isso, parece-nos claro que todos os estados (democráticos ou não), procuram garantir um controle eficaz e adequado sobre as suas forças armadas e as forças policiais. Em função da história da sua fundação, da ideologia que predominou na sua génese e do próprio sistema legal, da sua evolução, o estado adopta diferentes formas de salvaguardar os interesses dos guardiões do sistema e de finalmente relacionar-se com os militares e polícias. Isto remete-nos para a complexa problemática das relações entre os poderes civis e os poderes militares e policiais e também para o conceito que codifica a interacção dos militares e dos polícias com a sociedade civil e em especial as relações entre as chefias militares, as chefias policiais e as chefias civis. Que princípios governam estas relações num sistema democrático? Que mecanismos são empregues ao longo do processo? Que implicações terão para as forças armadas e policiais a adopção de tais princípios e mecanismos? De que forma a matriz ideológica histórica dominante no sistema anterior e ao longo da história do país, pode ser alterada nas novas e modernas forças armadas e policiais estabelecidas? E como integrar antigos guerrilheiros do actual principal partido da oposição nas novas forças armadas e policiais apartidárias com harmonia e eficácia?
Num regime democraticamente eleito e estável, as relações entre os militares, os polícias e a sociedade civil, baseiam-se no princípio da subordinação clara das forças armadas e policiais ao poder político civil e no respeito inequívoco recíproco. Isso implica também uma separação claríssima de poderes e a responsabilização dos sectores militar, policial e civil. O respeito pelo estado de direito; e a observância dos princípios de transparência na gestão da defesa nacional e segurança, prestação de contas pelos militares e polícias às autoridades civis eleitas livremente e o escrutínio permanente das autoridades civis na assembleia da república eleita, pelos seus actos de governação.
Ao subordinar as forças armadas e a polícia “democráticas” ao controle do poder civil eleito, o estado de direito democrático pretenderá garantir que o poder militar seja usado de acordo com políticas democraticamente estabelecidas e aceites , legitimamente apresentadas e aprovadas no interesse da sociedade civil em geral. Como qualquer outro grupo profissional corporativo na burocracia do estado, as chefias militares e policiais podem e devem contribuir com a sua vasta experiência especializada e potencial para a formulação da política de defesa e segurança e, invariavelmente, procurar promover a instituição militar, a instituição policial e os seus interesses corporativos, como de resto o fazem outros grupos profissionais.
Contudo, isto deverá ser feito de acordo com os vários canais institucionais existentes sem nunca pôr em causa a autoridade do poder civil livremente eleito.
Há alguns princípios fundamentais para que um estado possa ser considerado efectivamente democrático de direito. Um desses princípios é o princípio da legalidade, queremos com isso dizer, o respeito claro e inequívoco das leis. As leis é que definem o vasto quadro das relações entre as pessoas, as instituições e também entre os órgãos institucionais que compõem o estado; outro princípio fundamental é o das eleições democráticas multipartidárias livres, a sufrágio universal, directo e periódico dos cidadãos.
Por outro lado, o princípio da separação de poderes num estado de direito é fundamental, pois de outra forma seria posto em causa o equilíbrio entre os diversos órgãos de soberania.
Há certamente um longo caminho a percorrer numa jovem democracia, mas creio ser indiscutível que a garantia da neutralidade das forças armadas e policiais nos conflitos e divergências sempre latentes entre os partidos políticos, deve ser uma certeza. De outra forma, dificilmente o respeito pela constituição e princípios democráticos serão respeitados.