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Sábado, Dezembro 21, 2024

Como enfrentar a censura institucional

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

No passado dia 30 de novembro Michael Shellenberger fez a sua segunda deposição deste ano junto da subcomissão sobre a ‘instrumentalização do governo’ (melhor forma que encontro para traduzir ‘weaponization of government’) da Comissão de Justiça do Congresso dos Estados Unidos, trazendo a público crescente e volumosa documentação sobre a construção de uma vasta rede de agências governamentais (nomeadamente de defesa e dos serviços de informação), redes sociais e empresas que se organizam para censurar a livre opinião, na verdade para também produzir desinformação, e que ele denominou de ‘Complexo Industrial da Censura’. É um grande tema da actualidade que não existe na comunicação social, exactamente porque esta está integrada nesse complexo.

Shellenberger começou com os dossiers sobre o Twitter e o Facebook e está agora a começar a divulgar os dossiers da ‘Liga dos Serviços de Informação sobre as Cyber Ameaças’ (Cyber Threat Intelligence League), uma organização cuja existência se tornou pública com a campanha covidista mas que Schellenberger data do alarme do ‘Estado Profundo’ com a eleição de Donald Trump e da aprovação do BREXIT, a partir de 2017.

A minha investigação sobre o tema aponta para que o projecto estivesse já claramente em marcha pelo menos em 2015, sendo que, na altura, é a tecnológica Google que aparece no seu centro. Mais importante do que isso, é para mim a conjugação de mecanismos de desinformação aos da censura e, acima de tudo, a presença de agentes islamistas – nomeadamente um operacional do regime iraniano – na montagem do sistema.

A análise de Shellenberger é tipicamente americana, centra-se na defesa da liberdade de expressão e na cidade de limitar o poder do Estado e não olha para o prolongamento do complexo para fora das fronteiras americanas, o que não lhe permite também ter em conta os mecanismos de influência extra-americana no interior dos EUA.

Como o indica a designação escolhida de ‘complexo industrial’ a ideia fundamental é a de aplicar à censura a mesma lógica com que foi visto o ‘complexo militar industrial’, em que o negócio das empresas especializadas em equipamento militar tende a ser visto de forma unidireccional como a mola para as decisões militares.

Penso que se trata de uma forma simplista e sujeita a derrapagens conspiracionistas de olhar para a questão, e que é necessário alargar os horizontes e olhar com mais detalhe para as interacções entre os vários componentes do complexo para tirar conclusões. No que foi a mais complexa e impressionante operação do complexo da censura – a manipulação da psicose viral – a lógica dominante foi a do negócio das vacinas, e nos episódios populistas da eleição de Trump e da aprovação do BREXIT, estivemos perante as máquinas de segurança alarmadas pela capacidade real ou suposta de manipulação interna por inimigos externos.

Estas duas lógicas que (a par da climatomania) dominaram o complexo em fases distintas têm provavelmente vários pontos em comum, a começar pelas redes operacionais que as desenvolveram, que foram largamente as mesmas, mas não podem ser vistas como emanando de um plano único.

A intervenção externa para aproveitar problemas internos, promovendo a desestabilização, especialmente através da polarização tóxica, é real, e de resto sempre aconteceu, sendo necessário fazer-lhe face no domínio das estratégias de informação, pelo que não penso que se deva condenar toda e qualquer acção das máquinas de segurança estatal neste domínio.

Da mesma forma, a influência de interesses privados junto das instituições públicas – o chamado lobbying – é também ela inevitável, e a questão não se resolve com a sua proibição, mas antes com um sofisticado sistema de controlo de conflitos de interesses num sistema de equilíbrios e controlos dos vários poderes estatais. Como vimos recentemente em Portugal, o argumento da influência foi mesmo usado para realizar um verdadeiro golpe de Estado.

O principal problema tal como eu o vejo é antes a explosão das várias formas existentes nos EUA e na generalidade das democracias de controlar os abusos de poder e a manipulação de mecanismos públicos por interesses privados usando, nomeadamente, o argumento de que o ciberespaço é um domínio novo no qual a velha arquitectura não se aplica.

Essa situação que permitiu a captura das instituições públicas por interesses privados e, bastante pior, pelos piores inimigos do sistema democrático que são os jihadistas, foi propiciada por este estado de coisas e coloca em perigo os valores das nossas sociedades humanitárias.

O que precisamos é de voltar ao que são os pilares de um Estado de direito de base democrática e de controlos e equilíbrios entre as várias formas de poder.

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