No passado dia 30 de novembro Michael Shellenberger fez a sua segunda deposição deste ano junto da subcomissão sobre a ‘instrumentalização do governo’ (melhor forma que encontro para traduzir ‘weaponization of government’) da Comissão de Justiça do Congresso dos Estados Unidos, trazendo a público crescente e volumosa documentação sobre a construção de uma vasta rede de agências governamentais (nomeadamente de defesa e dos serviços de informação), redes sociais e empresas que se organizam para censurar a livre opinião, na verdade para também produzir desinformação, e que ele denominou de ‘Complexo Industrial da Censura’. É um grande tema da actualidade que não existe na comunicação social, exactamente porque esta está integrada nesse complexo.
What @shellenberger is describing here is the death of the American republic. In this new arrangement, the people are simply pawns to be psychologically manipulated (as during covid) for the aims of the powerful, with no checks and balances on government action. https://t.co/zWhvI80ynI
— Jay Bhattacharya (@DrJBhattacharya) November 30, 2023
Shellenberger começou com os dossiers sobre o Twitter e o Facebook e está agora a começar a divulgar os dossiers da ‘Liga dos Serviços de Informação sobre as Cyber Ameaças’ (Cyber Threat Intelligence League), uma organização cuja existência se tornou pública com a campanha covidista mas que Schellenberger data do alarme do ‘Estado Profundo’ com a eleição de Donald Trump e da aprovação do BREXIT, a partir de 2017.
A minha investigação sobre o tema aponta para que o projecto estivesse já claramente em marcha pelo menos em 2015, sendo que, na altura, é a tecnológica Google que aparece no seu centro. Mais importante do que isso, é para mim a conjugação de mecanismos de desinformação aos da censura e, acima de tudo, a presença de agentes islamistas – nomeadamente um operacional do regime iraniano – na montagem do sistema.
A análise de Shellenberger é tipicamente americana, centra-se na defesa da liberdade de expressão e na cidade de limitar o poder do Estado e não olha para o prolongamento do complexo para fora das fronteiras americanas, o que não lhe permite também ter em conta os mecanismos de influência extra-americana no interior dos EUA.
Como o indica a designação escolhida de ‘complexo industrial’ a ideia fundamental é a de aplicar à censura a mesma lógica com que foi visto o ‘complexo militar industrial’, em que o negócio das empresas especializadas em equipamento militar tende a ser visto de forma unidireccional como a mola para as decisões militares.
Penso que se trata de uma forma simplista e sujeita a derrapagens conspiracionistas de olhar para a questão, e que é necessário alargar os horizontes e olhar com mais detalhe para as interacções entre os vários componentes do complexo para tirar conclusões. No que foi a mais complexa e impressionante operação do complexo da censura – a manipulação da psicose viral – a lógica dominante foi a do negócio das vacinas, e nos episódios populistas da eleição de Trump e da aprovação do BREXIT, estivemos perante as máquinas de segurança alarmadas pela capacidade real ou suposta de manipulação interna por inimigos externos.
Estas duas lógicas que (a par da climatomania) dominaram o complexo em fases distintas têm provavelmente vários pontos em comum, a começar pelas redes operacionais que as desenvolveram, que foram largamente as mesmas, mas não podem ser vistas como emanando de um plano único.
A intervenção externa para aproveitar problemas internos, promovendo a desestabilização, especialmente através da polarização tóxica, é real, e de resto sempre aconteceu, sendo necessário fazer-lhe face no domínio das estratégias de informação, pelo que não penso que se deva condenar toda e qualquer acção das máquinas de segurança estatal neste domínio.
Da mesma forma, a influência de interesses privados junto das instituições públicas – o chamado lobbying – é também ela inevitável, e a questão não se resolve com a sua proibição, mas antes com um sofisticado sistema de controlo de conflitos de interesses num sistema de equilíbrios e controlos dos vários poderes estatais. Como vimos recentemente em Portugal, o argumento da influência foi mesmo usado para realizar um verdadeiro golpe de Estado.
O principal problema tal como eu o vejo é antes a explosão das várias formas existentes nos EUA e na generalidade das democracias de controlar os abusos de poder e a manipulação de mecanismos públicos por interesses privados usando, nomeadamente, o argumento de que o ciberespaço é um domínio novo no qual a velha arquitectura não se aplica.
Essa situação que permitiu a captura das instituições públicas por interesses privados e, bastante pior, pelos piores inimigos do sistema democrático que são os jihadistas, foi propiciada por este estado de coisas e coloca em perigo os valores das nossas sociedades humanitárias.
O que precisamos é de voltar ao que são os pilares de um Estado de direito de base democrática e de controlos e equilíbrios entre as várias formas de poder.