Felipe Nunes, da Quaest, diz que o novo presidente do Brasil “ganhou de presente o papel de defensor da democracia”.
O cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest, afirma que a polarização vivida nas eleições presidenciais de 2022 não se resume mais ao cenário político. Segundo Nunes, o fenômeno chegou à vida cotidiana dos brasileiros e aí deve persistir devido à “inundação de fake news”, que, de tão frequente, “não permite reflexão”.
“O voto deixou de ser uma escolha, uma verbalização da preferência, para ser a manifestação de uma visão de mundo. A novidade é que a eleição acaba, mas a divisão não acaba”, afirma o especialista em entrevista ao Valor Econômico publicada nesta segunda-feira (30). “O comportamento polarizado continua. Esse processo calcifica as posições políticas e começa a afetar outros campos.”
Nunes dá exemplos de como a temperatura política contaminou as relações pessoais: “O sujeito não quer que seu filho se case com alguém do outro lado, não quer mais comprar produto de empresário que se manifesta do outro lado, não quer ouvir música se o artista apoiou o rival. As bolhas do meio digital viram bolhas no dia a dia, galgaram à vida cotidiana”.
Em meio à polarização, cresce a chamada “dissonância cognitiva”. Seja pela força das notícias falsas, seja pela tendência de criação de “bolhas”, o cidadão corre o risco de viver em uma realidade paralela. “Os algoritmos vão gerando conteúdos que vão te agradar, hedonistas. Você passa procurar cada vez mais só o que vai ao encontro do que já pensa e começa a negar fontes de informação que não atendam a seus interesses.”
Para o cientista político, as fake news não apenas “estão destruindo a democracia” como também dificultam a busca por diálogo e consenso. “Ninguém mais olha pro lado, não conversa, não discute, não tem o contraditório.” Quatro em cada cinco brasileiros dizem ter recebido fake news nas eleições 2022. Mas, conforme pesquisas conduzidas pela Quaest, “as pessoas tendem a achar que a notícia é falsa quando desagrada sua posição política”.
As notícias efetivamente falsas – diz Nunes – “tiveram papel fundamental de mobilização”, mas “não servem para convencer ninguém”, já que “as pessoas já têm suas posições e as usam só para confirmar seus preconceitos”. Na eleição, as fake news, mais do que manterem o “eleitorado bolsonarista motivado”, estava no centro da campanha do então presidente Bolsonaro à reeleição. “O bolsonarismo tem uma máquina própria para isso. Ali (a notícia falsa) é uma estratégia.”
Na opinião do dono da Quaest, o presidente Luiz Inácio Lula d Silva (PT) deve dialogar com eleitores de Bolsonaro que se incomodam com a escaldada antidemocrática, como a invasão golpista às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro passado. A sugestão do especialista é que Lula evite o revés sofrido pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, depois que apoiadores golpistas de seu antecessor, Donald Trump, invadiram, há dois anos, o Capitólio, sede do Poder Legislativo.
“A aprovação ao 6 de janeiro de 2021 era de 9% logo após a invasão do Capitólio. Agora está em 32%. Entre republicanos, quase metade aprova aquilo hoje”, indica Nunes. “O erro foi do presidente Joe Biden, que transformou o 6 de janeiro numa questão partidária. Ele passou a tratar os invasores como republicanos, fez a generalização. Isso é o que o Lula não pode fazer de jeito nenhum.”
Para explicar seu ponto de vista, Nunes diz que o novo presidente do Brasil “ganhou de presente o papel de defensor da democracia”, mas não pode generalizar as críticas para o conjunto dos bolsonaristas. “Lula tem de caracterizar o caso como obra de radicais, golpistas, vândalos. Se ficar dizendo que é bolsonarismo, esse eleitor do Bolsonaro que não gostou do 8 de janeiro vai se sentir compelido a defender o vandalismo”, conclui o cientista político.
por André Cintra, Jornalista | Texto em português do Brasil
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