Houve quem afirmasse que aquilo era mais um maxixe do que um samba. Mas este foi o gênero usado para classificar Pelo Telefone nos rótulos dos dois discos Odeon gravados em dezembro de 1916, tanto pelo cantor Bahiano quanto pela Banda da Casa Edilson. Além dessa ressalva, pesquisadores já encontraram registros de pelo menos dois outros 78 rpm editados antes trazendo o então recém-nascido gênero no rótulo.
Mas, como ambos passaram em branco, o crédito de “primeiro samba gravado” ficou com o agora centenário Pelo Telefone. Sucesso imediato na época, este samba de terreiro, nascido numa roda no fundo do quintal da casa da lendária Tia Ciata (1854-1933), estabeleceu um novo padrão que passou a vigorar nos carnavais do Rio. Após as marchinhas, o samba pedia passagem para não mais sair de cena.
Se o título de “o primeiro samba gravado” é controverso, a autoria, mais ainda. Em novembro de 1916, Donga (Ernesto dos Santos, 1890-1974) entrou com um pedido de registro na Biblioteca Nacional da partitura de Pelo Telefone, classificado pelo próprio como “samba”.
Na roda de improviso na qual a composição nasceu, também teriam estado, entre outros, Germano Lopes, João da Baiana, Pinxiguinha, João da Mata, Caninha, Hilário Jovino Ferreiro, Mauro de Almeida, Sinhô e a própria Tia Ciata. Gente que, claro, não gostou da esperteza de Donga.
Desde agosto daquele ano, pelo menos versos e improvisos misturando temas do folclore nordestino e menções às ações da polícia contra o jogo começavam a ganhar forma, a se popularizar entre os frequentadores dos pagodes na Praça Onze.
Donga correu antes, justificando a ação com a máxima atribuída a Sinhô: “Música é como passarinho – de quem pegar primeiro”. Sob protestos de muitos, atendeu apenas a um deles, dividindo a parceria com Mauro de Almeida (1882-1956), o jornalista que ficara com a tarefa de consolidar a letra editada.
O telefone do samba começou a virar sucesso no Carnaval de 1917 e continua tocando até hoje nos celulares, enquanto a polícia e o jogo clandestino comemoram um século de convivência.
Pelo Telefone
Donga e Mauro de Almeida, 1916
O chefe da polícia pelo telefone manda me avisar
Que na Carioca tem uma roleta para se jogar
O chefe da polícia pelo telefone manda me avisar
Que na Carioca tem uma roleta para se jogarAi, ai, ai,
Deixa as mágoas para trás ó rapaz
Ai, ai, ai,
Fica triste se és capaz, e verás.Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso
Roubar amores dos outros
E depois fazer feitiço.Ai, a rolinha / Sinhô, Sinhô
Se embaraçou / Sinhô, Sinhô
Caiu no laço / Sinhô, Sinhô
Do nosso amor / Sinhô, SinhôPorque esse samba, /Sinhô, Sinhô
É de arrepiar, /Sinhô, Sinhô
Põe a perna bamba / Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar / Sinhô, SinhôO “Peru” me disse
Se o “Morcego” visse
Não fazer tolice,
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
De disse que não disse.Ai, ai, ai,
Deixa as mágoas para trás ó rapaz
Ai, ai, ai,
Fica triste se é capaz, e verás.Queres ou não / Sinhô, Sinhô,
Vir pro cordão / Sinhô, Sinhô
Ser folião / Sinhô, Sinhô
De coração / Sinhô, Sinhô
Porque este samba/ Sinhô, Sinhô
É de arrepiar / Sinhô, Sinhô
Põe a perna bamba / Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar / Sinhô, Sinhô
por Nelson Motta, Jornalista, compositor e crítico de música | Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
Este texto foi adaptado de um texto publicado originalmente no livro 101 Canções que Tocaram o Brasil (Estação Brasil, 2016)