O Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) completa 10 anos nesta segunda-feira (20) com importantes avanços na luta antirracista, mas o racismo se mantém no bojo da sociedade brasileira e a população negra permanece marginalizada pelo sistema.
“Tivemos avanços importantes contra o racismo e a marginalização da população negra nos últimos anos no Brasil”, argumenta Mônica Custódio, secretária de Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). Mas “precisamos fazer muito mais para acabar com o racismo que é forjado ideologicamente para manter a maioria da população dominada”, acentua.
Com o fim da ditadura (1984-1985), a organização da sociedade civil avançou a passos largos. A Constituição, promulgada em 1988, ampliou os ares democráticos na vida do país e tornou a prática do racismo como “crime inafiançável e imprescritível” e “sujeito à pena de reclusão”. O racismo estrutural, porém, “dificulta as punições dos racistas e essa certeza de impunidade faz aumentar as manifestações racistas nas redes sociais e nas ruas”, reforça Mônica.
Essa situação levou a uma ampla discussão sobre a necessidade de políticas afirmativas com a criação de cotas raciais nas universidades brasileiras que começou com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 2003 e a Universidade de Brasília em 2004. Com a intensificação de um programada de diversidade nas universidades federais, as cotas se transformaram em lei em 2012.
Mesmo assim, “as negras e negros, atualmente 54% da população como mostra o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), continuam com os piores salários e maior presença nos trabalhos braçais”, afirma Tereza Bandeira, dirigente da CTB-BA.
A elite se alvoroçou contra o sistema de cotas com grande alarde feito pela mídia comercial. “Só pela polêmica se observa o racismo como traço marcante da sociedade brasileira”, destaca Mônica. Como comprova pesquisa do IBGE de 2019 pela qual os trabalhadores brancos receberam em média 56,6% a mais que os negros.
De acordo com o IBGE, a presença de negros dobrou nas universidades entre 2011 e 2019, passando de 9% para 18% entre os estudantes entre 18 e 24 anos. No mesmo período e faixa etária, a presença de brancos passou de 21% para 35%. “Não sabemos ainda”, assinala Tereza, “se esses índices se observarão no próximo levantamento com o atual desgoverno atuando contra as cotas”. Além de “não resultarem em melhores postos de trabalho e salários”, lamenta.
Veio o Estatuto da Igualdade Racial, em 2010, após intensos debates do movimento negro com a sociedade. “Muita coisa mudou nesses 10 anos”, argumenta Lidiane Gomes, secretária de Igualdade Racial da CTB-SP. Porque “a visibilidade que o povo negro conquistou, principalmente na figura de mulheres negras, não deu chance aos racistas e fingirem desconhecimento”.
Para ela, depois do Estatuto, “quem ainda não havia parado para pensar no racismo e o quanto isso atrasa o desenvolvimento do nosso país rumo a uma sociedade igualitária e economicamente independente, teve que lidar com o tema”.
Tema estudado por grandes intelectuais brasileiros como o historiador e professor honoris causa da Universidade de São Paulo, Clóvis Moura (1925-2003). Para ele, o racismo foi forjado como “arma de dominação ideológica”.
De acordo com Moura, “com a montagem do antigo sistema colonial e a expansão das metrópoles colonizadoras, esse racismo se desenvolveu como arma justificadora da invasão e da domínio das áreas consideradas ‘bárbaras’, ‘inferiores’, ‘selvagens’ que, por isso mesmo, seriam beneficiadas com a ocupação de seus territórios e a destruição de suas populações pelas nações ‘civilizadas’”.
Mônica destaca que, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75% das vítimas dos homicídios do ano passado foram pessoas negras. As polícias militares matam diariamente jovens negros na periferia das grandes cidades pelo país afora e “o desgoverno Bolsonaro e vários governadores fortalecem a repressão e insuflam o racismo”.
E como diz o sociólogo Jessé Souza, a escravidão é o principal traço da sociedade brasileira e, por isso, “o racismo se mantém intrínseco”, alega Mônica. Para o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), “a democracia só será uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e de segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça”.
De acordo com Mônica, “é necessário ampliarmos as discussões sobre como acabar com o racismo”. Para isso, foi criada a Coalizão Negra por Direitos, unindo o movimento negro contra o fascismo em implantação pelo atual desgoverno brasileiro.
Porém, “a situação de vulnerabilidade da maioria dos negros ainda assombra”, reforça Lidiane. “Nada está resolvido e está longe de estar”. Mas “a consciência avança na população em se assumir cada vez mais como negros”, contudo, “a sociedade tem que se assumir como racista para começar a extirpar essa chaga de nosso meio”.
Lidiane conclui que o Estatuto da Igualdade Racial fortaleceu a luta antirracista, mas “a nossa fala tem que ultrapassar os limites impostos pela elite dominante e os brancos precisam compreender e assumir seu privilégio e a partir daí cada um assumir a responsabilidade pela criação de uma sociedade mais justa e menos desigual”.
Texto em português do Brasil
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