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Sábado, Dezembro 21, 2024

Como o Estatuto da Igualdade Racial ajudou no combate ao racismo em 10 anos?

Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Jornalista, assessor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

O Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) completa 10 anos nesta segunda-feira (20) com importantes avanços na luta antirracista, mas o racismo se mantém no bojo da sociedade brasileira e a população negra permanece marginalizada pelo sistema.

“Tivemos avanços importantes contra o racismo e a marginalização da população negra nos últimos anos no Brasil”, argumenta Mônica Custódio, secretária de Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). Mas “precisamos fazer muito mais para acabar com o racismo que é forjado ideologicamente para manter a maioria da população dominada”, acentua.

Com o fim da ditadura (1984-1985), a organização da sociedade civil avançou a passos largos. A Constituição, promulgada em 1988, ampliou os ares democráticos na vida do país e tornou a prática do racismo como “crime inafiançável e imprescritível” e “sujeito à pena de reclusão”. O racismo estrutural, porém, “dificulta as punições dos racistas e essa certeza de impunidade faz aumentar as manifestações racistas nas redes sociais e nas ruas”, reforça Mônica.

Essa situação levou a uma ampla discussão sobre a necessidade de políticas afirmativas com a criação de cotas raciais nas universidades brasileiras que começou com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 2003 e a Universidade de Brasília em 2004. Com a intensificação de um programada de diversidade nas universidades federais, as cotas se transformaram em lei em 2012.

Mesmo assim, “as negras e negros, atualmente 54% da população como mostra o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), continuam com os piores salários e maior presença nos trabalhos braçais”, afirma Tereza Bandeira, dirigente da CTB-BA.

A elite se alvoroçou contra o sistema de cotas com grande alarde feito pela mídia comercial. “Só pela polêmica se observa o racismo como traço marcante da sociedade brasileira”, destaca Mônica. Como comprova pesquisa do IBGE de 2019 pela qual os trabalhadores brancos receberam em média 56,6% a mais que os negros.

De acordo com o IBGE, a presença de negros dobrou nas universidades entre 2011 e 2019, passando de 9% para 18% entre os estudantes entre 18 e 24 anos. No mesmo período e faixa etária, a presença de brancos passou de 21% para 35%. “Não sabemos ainda”, assinala Tereza, “se esses índices se observarão no próximo levantamento com o atual desgoverno atuando contra as cotas”. Além de “não resultarem em melhores postos de trabalho e salários”, lamenta.

Veio o Estatuto da Igualdade Racial, em 2010, após intensos debates do movimento negro com a sociedade. “Muita coisa mudou nesses 10 anos”, argumenta Lidiane Gomes, secretária de Igualdade Racial da CTB-SP. Porque “a visibilidade que o povo negro conquistou, principalmente na figura de mulheres negras, não deu chance aos racistas e fingirem desconhecimento”.

Para ela, depois do Estatuto, “quem ainda não havia parado para pensar no racismo e o quanto isso atrasa o desenvolvimento do nosso país rumo a uma sociedade igualitária e economicamente independente, teve que lidar com o tema”.

Tema estudado por grandes intelectuais brasileiros como o historiador e professor honoris causa da Universidade de São Paulo, Clóvis Moura (1925-2003). Para ele, o racismo foi forjado como “arma de dominação ideológica”.

De acordo com Moura, “com a montagem do antigo sistema colonial e a expansão das metrópoles colonizadoras, esse racismo se desenvolveu como arma justificadora da invasão e da domínio das áreas consideradas ‘bárbaras’, ‘inferiores’, ‘selvagens’ que, por isso mesmo, seriam beneficiadas com a ocupação de seus territórios e a destruição de suas populações pelas nações ‘civilizadas’”.

Mônica destaca que, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75% das vítimas dos homicídios do ano passado foram pessoas negras. As polícias militares matam diariamente jovens negros na periferia das grandes cidades pelo país afora e “o desgoverno Bolsonaro e vários governadores fortalecem a repressão e insuflam o racismo”.

E como diz o sociólogo Jessé Souza, a escravidão é o principal traço da sociedade brasileira e, por isso, “o racismo se mantém intrínseco”, alega Mônica. Para o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), “a democracia só será uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e de segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça”.

De acordo com Mônica, “é necessário ampliarmos as discussões sobre como acabar com o racismo”. Para isso, foi criada a Coalizão Negra por Direitos, unindo o movimento negro contra o fascismo em implantação pelo atual desgoverno brasileiro.

Porém, “a situação de vulnerabilidade da maioria dos negros ainda assombra”, reforça Lidiane. “Nada está resolvido e está longe de estar”. Mas “a consciência avança na população em se assumir cada vez mais como negros”, contudo, “a sociedade tem que se assumir como racista para começar a extirpar essa chaga de nosso meio”.

Lidiane conclui que o Estatuto da Igualdade Racial fortaleceu a luta antirracista, mas “a nossa fala tem que ultrapassar os limites impostos pela elite dominante e os brancos precisam compreender e assumir seu privilégio e a partir daí cada um assumir a responsabilidade pela criação de uma sociedade mais justa e menos desigual”.


Texto em português do Brasil


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