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Sábado, Novembro 2, 2024

Como o Neoliberalismo tem destruído a governança mundial

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A substituição de organismos com um historial pouco abonatório, como o do FMI ou do Banco Mundial, precisa de ser abertamente equacionado e a passagem do 75º aniversário da sua fundação é um bom momento para questionar se as ultrapassadas ideologias que os sustentam e se os seus agentes devem ser reformados, não para fechar a porta da governança global, mas para abri-la de uma forma que sirva as pessoas e o planeta e não os lucros das empresas multinacionais.

Tiveram lugar no passado mês de Outubro as reuniões anuais do Banco Mundial e do FMI, dois organismos internacionais cuja constituição remonta à Conferência de Bretton Woods e ao processo de reorganização mundial ditado pelo resultado da II Guerra Mundial, oportunidade em que os EUA impuseram, contra a opinião inglesa, o padrão dólar-ouro (que aboliriam unilateralmente em 1971), criaram o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade, mais tarde convertido na OMC – Organização Mundial do Comércio) e organismos como o Banco Mundial e o FMI com o objectivo de financiar, respectivamente, os grandes projectos de reconstrução e responder a desequilíbrios nas balanças de pagamentos.

O beco sem saída multilateral

Os exemplos de privatizações forçadas, de precarização do trabalho e de dívida predatória impostos pelas Instituições de Bretton Woods, de que demos pálidos exemplos, têm movimentado a opinião pública no sentido da procura de um processo de governança global que contribua para a resolução dos problemas que os estados nacionais não conseguiram, ou não quiseram, evitar.

Surgiram assim iniciativas como o Protocolo de Montreal de 1987, que foi apoiado até pelo governo conservador de Ronald Reagan, e que comprometeu os estados nacionais a garantir que empresas como a Dow Chemical e a General Electric parassem de produzir e emitir CFC (clorofluorcarboneto antigamente usado em aerossóis e gases para refrigeração, responsável pela redução da camada de ozono) num prazo de nove anos; a proibição acordada funcionou e o problema da camada de ozono está em regressão, mal-grado as recentes trapaças das empresas chinesas com os hidro-CFC.

Considerando a fragilidade do multilateralismo e o equilíbrio de forças favorável aos interesses das grande empresas e apesar do agravamento dos problemas ecológicos, parece actualmente impensável uma proibição do tipo do Protocolo de Montreal para as emissões de gases de efeito estufa; restará talvez a hipótese da mobilização da juventude mundial e dos activistas climáticos acelerar a ideia da defesa do desinvestimento e da desobediência civil a ponto desta começar a preocupar os investidores nos combustíveis fósseis e levar à substituição das energias fósseis por outras mais limpas e ecológicas.

Poderá a solução passar pelos movimentos cívicos que pressionem de baixo para cima, como aconteceu na passagem do século com o movimento que levou ao levantamento da proibição à produção de medicamentos genéricos para o combate à SIDA fora da grande indústria farmacêutica germano-americana, ou pelos protestos antiglobalização que já começam a ser reconhecidos pela sua maior abrangência social e que ajudem a alterar o equilíbrio de forças, seja obrigando os partidos políticos a delinear estratégias contra as políticas de austeridade em bem-sucedidas candidaturas nacionais ou no despoletar de crises políticas que, mais cedo ou mais tarde substituam os governos nacionais particularmente submissos aos ditames do Consenso de Washington.

A importância deste activismo solidário tem ficado demonstrada nos sucessivos protestos organizados aquando da realização das principais reuniões anuais do FMI e do Banco Mundial, onde quer que elas ocorram, no número crescente de vozes que vêem denunciando as más práticas das duas organizações e na acção de boicote à subscrição de obrigações do Banco Mundial desencadeada em 2000, que apesar do reduzido sucesso mereceu à época o seguinte comentário da influente Monthly Revue:

Duas instituições financeiras ordinariamente impenetráveis – o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial – caíram finalmente sob as atenções dos activistas, de uma maneira que aguça o que muitas vezes são as discussões vagas sobre a globalização e a resistência popular. Cerca de trinta mil manifestantes aderiram à Mobilização pela Justiça Global em Washington, DC, em 16 de Abril de 2000, encerrando uma semana que começou ameaçadora. Abriu no dia 9 de Abril com um frio e com pouco participado comício de alívio da dívida do Jubileu 2000 nos EUA, (discutido de forma controversa pelo economista neoliberal de Clinton, Gene Sperling); uma manifestação proteccionista e vagamente xenófoba de “Nada de cheques em branco para a China” no Capitólio, em 12 de Abril, que incluiu quinze mil trabalhadores organizados pelo AFL-CIO, e dezenas de outros eventos relacionados. Por outro lado, auspiciosamente, a maior parte dos manifestantes mobilizou-se para pedir que o Fundo e o Banco fossem privados de fundos (não reformados), assim como a maioria dos manifestantes de Seattle tinha ido além de uma liderança reformista para a Organização Mundial do Comércio (OMC)».

A substituição de organismos com um historial pouco abonatório, como o do FMI ou do Banco Mundial, precisa de ser abertamente equacionado e a passagem do 75º aniversário da sua fundação é um bom momento para questionar se as ultrapassadas ideologias que os sustentam e se os seus agentes devem ser reformados, não para fechar a porta da governança global (como defendem os proteccionistas populistas de direita), mas para abri-la de uma forma que sirva as pessoas e o planeta e não os lucros das empresas multinacionais.


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