Nem a extensão dos trabalhos da cimeira do clima no Egipto evitou que esta terminasse com uma sensação de desilusão, que nem o acordo para o estabelecimento de um fundo de compensação pelos danos causados pelas alterações climáticas que atinjam os países mais pobres escondeu a óbvia necessidade de se ter ido mais longe, quer nos objectivos de redução das emissões, quer nas mais importantes decisões sobre as origens daquele financiamento ou sobre os critérios para a sua distribuição.
A verdadeira novidade saída da estância turística egípcia de Sharm El-Sheikh, foi afinal a de que a COP27 se transformou em mais uma cimeira sobre dinheiro que se viu confrontada com um dos grandes problemas estruturais do mundo – a riqueza acumulada graças a uma industrialização conseguida à custa da queima de combustíveis fósseis está concentrada nis países industrializados do Norte e agora os gases de efeito estufa resultantes estão a aquecer o planeta e as grandes necessidades resultantes dos desequilíbrios climáticos estão a surgir no menos desenvolvido Sul.
Esta é uma perspectiva relativamente nova, pois até agora, a maioria das Cimeiras do Clima tinham como principal objectivo pressionar as grandes nações poluidoras para estabelecerem metas ambiciosas de descarbonização, talvez facilitada pelo regresso dos EUA a uma política que contempla algum tipo de cumprimento das suas metas de redução de carbono e pelo investimento dos países industrializados nas políticas de transformação energética. Outros factores, como o da realização da cimeira num dos continentes mais sujeitos a riscos pelas alterações climáticas e a sucessão de fenómenos climáticos extremos, terão pesado igualmente nesta reorientação.
As populações dos países menos desenvolvidos enfrentam um aumento significativo dos riscos de sofrer secas ou inundações e sabem que os países ricos, cuja poluição causa esses problemas, têm dinheiro suficiente para reparar os danos. A questão agora, é levar países como os EUA (responsáveis por cerca de 25% da poluição mundial) a compensar sobreviventes da crise climática em África ou na Ásia, quando o que se está a conseguir é um fundo demasiado curto para o avolumar de catástrofes – os primeiros dados das recentes inundações no Paquistão apontavam para mais de 33 milhões de pessoas afectadas, mais de 1200 mortos e prejuízos superiores a 10 mil milhões de dólares – e sem a participação dos principais poluidores.
Os biliões de dólares acumulados nos países ricos poderiam fornecer o financiamento de que o mundo em desenvolvimento precisa para uma transição energética, ajudando essas nações a dispor do financiamento para construir soluções geradoras de energia limpa e de baixo custo, mas como esses investimentos são relativamente arriscados, os fundos de pensões e outros veículos financeiros do ocidente cobrariam juros proibitivamente altos. Neste capítulo, como noutros, deixar o mercado a funcionar livremente significa que os grandes emissores de gases de efeito de estufa (países e empresas) nunca irão pagar pelos estragos provocados nem pela indevida apropriação de riqueza que dela resulta.
Não se querendo subverter directamente esta lógica – que, note-se, é a subjacente ao tão apregoado princípio do utilizador-pagador que conduziu à dilapidação e ao desinvestimento nos serviços públicos ocidentais – será preciso reduzir o risco do investimento, que torne as economias dos países em desenvolvimento tão atractivas financeiramente quanto as dos países ricos. E esses meios já existem; estão nos bancos multilaterais de desenvolvimento – o Banco Mundial, o Banco Asiático de Desenvolvimento e o Banco Africano de Desenvolvimento – que administram os fluxos de capital capazes de mitigar ou reduzir significativamente aqueles riscos; o que será necessário é alterar as práticas destas instituições (especialmente as do Banco Mundial) substituindo os investimentos em combustíveis fósseis por projectos de energias renováveis, algo que o seu historial revela como pouco provável.
Estamos, porém, longe (muito longe…) de reunir os estimados 2 biliões de dólares que os países do Sul deverão necessitar para substituir os combustíveis fósseis, investir em energias renováveis e outras tecnologias de baixo carbono, e para enfrentar os cenários de clima extremo (secas, escassez de água, cheias e ciclones); ainda assim, parece começar a ganhar algum alento uma proposta de reforma do sistema financeiro global apresentada pela primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, que já é conhecida como a Agenda de Bridgetown. Partindo de uma dura realidade, na qual os países em desenvolvimento sofrem sucessivos desastres climáticos que os obrigam a acumular enormes prejuízos económicos e a contrair mais empréstimos para a mera reconstrução das respectivas sociedades, pretende-se nesta proposta que o FMI apoie investimentos energéticos nos países em desenvolvimento mediante a emissão de 500 mil milhões de DES (Direitos Especiais de Saque, moeda de emissão exclusiva pelo FMI), naquilo que pode ser entendido como um projecto de reestruturação do Acordo de Bretton Woods e de reorganização de estruturas como o Banco Mundial e o FMI, cujos mecanismos financeiros não têm respondido às necessidades daqueles países, para mais agora agravadas pelas consequências das alterações climáticas.