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Terça-feira, Novembro 5, 2024

Comunicação: Tudo à Venda

José Mateus
José Mateus
Analista e conferencista de Geo-estratégia e Inteligência Económica

Toda a “comunicação social” portuguesa está à venda ou, dito de forma menos abrupta, anda tudo à procura de “parceiros” que “invistam”. Tudo como, há muito, previsto (por quem soube prever).

Nos primórdios deste século, tive um memorável jantar com um dos raros políticos portugueses capazes de pensar (concorde-se ou não com o que ele pensa). O prato forte desse jantar com João Cravinho foi uma conversa a antecipar a evolução (melhor, a involução…) dos sectores da banca, das telecomunicações e da comunicação social. Três dos sectores estratégicos de qualquer Estado ocidental.

Nessa altura, em Portugal, vivia-se um clima de euforia, “toda a gente” banhava em optimismo (a imprensa mainstream até dava a banca como um sector exemplar e modelo a seguir…) e ninguém queria pensar no “day after” ao negócio que tinha em mãos. Pessoalmente, entendia que Portugal não estava (nem está!) a saber fazer a transição de um modelo esgotadíssimo para qualquer coisa de racional e sustentável. Estava, por isso, “pessimista” (leia-se “realista”).

Na segunda metade dos anos oitenta (talvez 1987), tinha tido uma conversa com Cravinho, no seu gabinete na Assembleia da República, e passáramos umas três horas a falar do esgotamento do modelo da economia portuguesa. Portanto, nada melhor que retomar o tema com Cravinho e dar-lhe conta do meu “pessimismo” para ver que dizia ele sobre a matéria. Fomos jantar.

Sabia que ele concordaria com o facto do modelo estar mais que esgotado (Passos Coelho e a sua tropa fandanga demonstraram no seu recente governo que ainda não o perceberam…) mas receava o modo como o várias vezes ministro reagiria ao meu “pessimismo”. Devo confessar que a sua resposta me surpreendeu, tendo-me deixado, simultaneamente, confortado e… aterrorizado.

Confortado porque Cravinho “endossava” o meu “pessimismo” e aterrorizado porque a perspectiva que ele desenhava (e até calendarizava…) era… aterradora.

“Antes de 2020, podemos perder todos os sectores e segmentos estratégicos da nossa economia. Não é fatal, mas para o evitar seria necessária muita lucidez e muita mestria (que não se vêem) e muito saber navegar e, sobretudo, saber para onde” (cito de memória, claro).

Nesta altura da conversa, lembro-me que o interrompi para dizer que essas capacidades que referia eram, precisamente, o que mais escasseava no “mercado” político nacional. E lembro-me bem que, apesar de ter feito aquele costumeiro sorrisinho maroto, não pegou neste tema da “escassez” e prosseguiu como se não quisesse perder o fio à meada: “Vamos primeiro ficar sem banca, depois sem telecomunicações e, depois, sem comunicação social”.

Lembro-me também que o calendário deste colapso nacional que Cravinho antecipava começava por volta de 2007/8…

A conversa não era para publicar e, por isso, decorria à vontade. Não sei se João Cravinho (the Cleaver Mr. Cravinho, como lhe chamou o “Economist”) ainda estará lembrado deste jantar. A mim, porém, é coisa que não me esquece.

Há várias décadas (desde os anos 80) que considero Cravinho um dos pouquíssimos políticos portugueses com quem se pode falar de economia e de estratégia sem ter de ouvir banalidades ou as “sofisticadas” asneiras do costume. E não só não dar o tempo por perdido como mesmo ganhar alguma coisa, nas trocas e voltas da conversa.

Já agora, meu caro João, deixe-me dizer-lhe que ainda só estamos a meio de 2017 e os grupos de comunicação social (mesmo os que o neguem, pois o segredo é a alma do negócio) já estão todos à venda… E ainda faltam quase três anos para 2020! Um abraço, João, e perdoe-me a pequena indiscrição que aqui cometo, mas já lá vão uns dezassete anos desde esta “conversa que não era para publicar”.

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