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Terça-feira, Julho 16, 2024

A poeta discreta do (en) canto poético e “Pelo fio da Navalha”

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

Algumas anotações breves  para um prefácio.

“Poesia é vida. A estética é a mensagem fragmentada.”
DMG

 

Conceição Rocha – A poeta discreta do (en) canto poético e “Pelo fio da Navalha”

E aconteceu poesia, dizia-me uma Poeta que se pretendia discreta com olhos cor de amêndoa. Uma Pessoana ou quem sabe Espancana que foge de holofotes e que nunca conheceu Pessoa ou Espanca senão no mar da caravela dourada da literatura.

Surge-nos das margens da poesia contemporânea portuguesa para o centro, esbatendo fossos que aqui se revelaram  artificiais. A filtragem foi automática.

Verifica-se aqui nesta valiosa obra poética uma unidade temática, uma atmosfera que as unifica tornando-as num só corpo e uma engenharia que  a solidifica. A ondulação poética embrenha-nos enquanto leitores suavemente cúmplice e melodiosa e a maturidade da autora manifesta-se de forma inequívoca e clara com a utilização versátil das ferramentas linguísticas.

Ainda assim, atreve-se a dizer telegraficamente engenhosa:

“Tenho
Vejo
Na palma da minha mão
Todas as páginas escritas
Linhas que não decifro
Livro que é só capas
Ignoro-lhes a geometria
Com cheiro a pedra quebrada
Nunca soube aritmética
Pelo dedo do menino
Átomo não é elemento
Leve
Se torna
A esfera”.

Com poemas totalmente refrescantes, simples, frágeis e belos como as flores silvestres das florestas, dos vales, das planícies, dos prados, dos montes, das serras e das montanhas que os cercam, e porque nascem sem planeamento, sem projeção, sem sementeiras ordenadas ou desordenadas, sem proteção, sem preparação. Revelam-se de forma natural, mas com uma espécie de máscara laboratorial digna do operário da palavra.

Como diz aparentemente desinteressada a autora, mantendo-nos interessados:

“Vou indo
-Do verbo ficar-
Pessoa alguma
Através de baço vidro
Vê a virgem
Fico hoje
– Como quem vai –
Do lado oposto
Do verbo ficar”

Simultaneamente fresca e simples, por isso não precisa de artifícios, primaveril e complexa mas sem complexidade como o desenho dadaísta das planícies virgens e nuas; inspiradora, pura, virginal, límpida e impetuosa como as torrentes dos vales rochosos e duros.

É escandalosamente bela na arquitectura, contraditoriamente imponente na melodia, no cheiro primaveril e discreta nas intenções, dura e consistente como as montanhas e vales, com reflexos do azul do mar revolto e do majestoso verde sereno da esperança sempre prolífica.

A mágica alquimia acontece simultaneamente fulgurante, sóbria, áspera, lírica e encantatória. Nela se vislumbra o canto, o (en) canto, a melodia, a rima, a verve  e a profundeza da exploração crítica e autocrítica dos abismos. Os abismos que guardamos como tesouros.

Há em Conceição Rocha um marulhar verbal constante que canta, encanta e  que sem cessar ondeia, navega, arrebata, coaxa, exalta, eleva, estala, salpica, escorre, ressaca e torna-se torrente precipitada de melodia, som e sentimento. Tempestade de sentimentos.

É verdadeiramente uma poesia de fusão, um lampejar de pensamentos e sentimentos estonteante, fulminante; uma poesia iluminada para dançar no tempo do amor que foi, que é, que será e que se faz urgente vivê-lo, vivenciá-lo, ultrapassá-lo; útil para dispersar subtilmente as cinzas reinantes dos pequenos e grandes percursos interiores vastos e ricos, estreitos e pobres antes do retorno. Tudo isto, sempre com a simplicidade original e inspirada dos mestres e a modéstia e humildade dos grandes sábios ascéticos.

E como sabemos, a verdadeira sabedoria não é coisa que se possa aprender ou ensinar. É um estado de espírito que atinge aquele que vive de harmonia com a natureza.

Bem dizia o Poeta António Maria Lisboa:

A construção de poemas é uma vela aberta ao meio e coberta de bolor… é como amar formigas brancas obsessivamente junto ao peito».

Nem todos/as os/as Poetas tecem de forma tão engenhosa os panos do seu enigmático coração exprimindo-se de forma tão encantatória e magistral. Ainda bem que esta excepção me encadeou, ainda bem que me “murmurou” os seus prantos e gritos, recusando dessa forma enfrentar a lei do silêncio que nos enreda e que as sociedades tecem.

Uma preciosa excepção é esta Poeta que aqui nos oferece uma obra com muita verve inspirada, generosa e que magistralmente teceu discretamente versos “luminosos” que tímida mas firmemente partilhou com a leveza da sua pena. E o efeito do espelho disseminar-se-á.

Como sempre eu próprio afirmara num passado recente: As palavras são sempre reveladoras, o silêncio também»

Não nos esqueçamos nunca por isso da sábia observação do grande escritor VS Naipaul que nos dizia: O mundo é o que é; os homens que não são nada, que se permitem tornar-se nada, não têm lugar nele…».

O futuro é hoje para todos nós.

Bem haja pois CONCEIÇÃO ROCHA pelas ondas de  poesia Pelo Fio da Navalha, bem haja pela arquitectura da melodia. Bayete Poeta!!!


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