Por causa da minha profissão (professor), muito tenho meditado na situação atual das escolas, e no tipo de conflitos internos que vão surgindo. Tenho mesmo participado em ações de Formação sobre o problema, a que só aponto dois óbices: o primeiro, o de se tentarem reduzir os problemas ao contexto das escolas, como se não houvesse ligações e dependências em relação às formas de organização que a sociedade vai adotanto, e um segundo, esse mais pessoal, que se prende ao facto de não se fazerem ações específicas consoante a fase etária dos discentes. Na verdade, um adolescente (independentemente do sexo) com quinze, dezasseis, ou mais anos, tem um perceção diferente de vários problemas, alguns dos quais são novos para ele, em relação a jovens de idades inferiores.
Não resisto a tentar refletir sobre o contexto em que toda esta problemática se insere. Alguns dirão que é uma forma de “complicar” o que é simples. Não creio. Para já, não é um tipo de problema “simples”. Em segundo lugar, procurar soluções sem analisar as causas mais profundas nunca resultará, a não ser pontualmente.
Vivemos num estranho mundo. Por um lado, há recursos no planeta, explorados ou criados pelo Homem, como nunca houve na História. Mas, por outro lado, a desigualdade na aquisição desses recursos acentua-se. Ao mesmo tempo, a globalização, propiciada principalmente pela Informática, esbate diferenças e secundariza distâncias, ao mesmo tempo que aumente, de forma aleatória, a informação disponível. Estamos a viver aquilo a que Alvin Toffler chamou, num livro, “A Terceira Vaga”, e, noutro, “O Choque do Futuro”.
Este diversidade/universalidade cria toda uma série de contrastes. As velhas culturas, ou as maneiras de proceder vigentes antes da Revolução Informática ( nome que já surge em muitas publicações… ), debatem-se para sobreviver. Por outro lado, nessa luta, têm de servir-se das novas tecnologias de comunicação/informação, criando tensões inevitáveis. Há convulsões inevitáveis que vão surgindo, e que vão desde a aceitação sem barreiras e de forma acéfala das novas tecnologias e das comunicações em rede (sacrificando valores que provavelmente não deveriam ser totalmente postos de lado), até à rejeição total desta nova sociedade globalizada… o que se revela impossível, pois, e precisamente graças à tecnologia, não é possível manter ilhas fechadas neste nosso planeta.
Um aspeto que parece político, e talvez o seja, como tudo o é na vida, mas que tem de ser abordado, é o de saber quem controla a tecnologia nos nossos tempos. Apesar de ser impossível controlar por completo uma sociedade baseada no livre acesso à informação por via das novas tecnologias, tem sido evidente que os meios técnicos, e alguns saberes a eles associados, não estão verdadeiramente ao serviço e ao dispor de todos. O já citado Toffler acreditava que, com a revolução informática, a sociedade se tornaria completamente livre, o trabalho necessitaria de menos horas, e o “saber” estaria ao alcance de todos. Mas… não foi isso que sucedeu. A economia de Mercado, vitoriosa e arrogante (desde a década de 1990), conseguiu, em parte, controlar os acontecimentos. Desta forma, não foi o tempo de trabalho que diminuiu, foi o mercado de trabalho que foi reduzido. Em vez de quarenta trabalhadores laborarem quatro horas diárias, vinte ficaram no desemprego, e os restantes vinte continuaram a trabalhar oito horas. Aliás, passaram a trabalhar mais do que oito horas, já que, tendo subido, por vezes brutalmente, o número de desempregados, não tem sido difícil exercer chantagem sobre quem conservou o seu posto de trabalho, com a ameaça de o perder por haver muita gente desesperada disposta a trabalhar auferindo salários absurdamente baixos.
A “febre” da produtividade tem substituído os valores mais especificamente humanos. As leis do mercado, atuando desde o final do século XVIII e os princípios do XIX, tornaram-se, graças à Informática, ainda mais irreais do que antes. Uma especulação desenfreada e sem rosto domina a economia mundial, arrastando, não já só países, mas continentes inteiros, para situações de desespero e tensão.
Outro aspeto, que acompanha e potencia a “febre da produtividade”, acabando por a justificar sem uma análise detalhada do problema, é a “febre” do consumismo. Este leva a adquirir tudo e mais alguma coisa, de forma anárquica, jogando com todas as necessidades humanas, e desde logo a mais básica, a da subsistência, que levou os nossos antepassados mais remotos a coletarem tudo o que encontravam na Natureza, amealhando o pouco que sobrava (se sobrava) em inúmeros e precários recipientes. À medida que as sociedades humanas progrediam, e se tornavam produtoras dos seus alimentos, a capacidade de guardar excedentes cresceu. Em contrapartida, criaram-se ou valorizavam-se objetos simbólicos, que reforçavam o prestígio (e diferenciavam) os estratos superiores que tendiam a deter o poder sobre as massas humanas, levando estas a trabalhar de forma muitas vezes coerciva. A Revolução Industrial aumentou de forma brutal a capacidade produtiva do ser humano, e, se por um lado democratizou as sociedades, por outro aumentou o consumo do supérfluo e do que socialmente criava distinções, em certa medida de forma mais ostensiva ou espalhafatosa, já que as tendência igualitárias também cresciam. Da conjugação destes fatores contraditórios, surge a necessidade, por parte de toda a sociedade, de obter o máximo de bens possíveis, e não só por questões de conforto, mas também por questões de prestígio.
Bens há que são adquiridos só para uma atitude de superiorização numa comunidade, ou mesmo em relação a um vizinho. A sociedade burguesa, de modelo empresarial, não hesita em incentivar os consumos mais desbragados. Curiosa ironia: a Economia, uma área do saber que se limitava a assegurar a sobrevivência dos ser humano, foi tornando mais e mais complexa, com um crescente afastamento do produtor em relação ao que era produzido, de que foi perdendo o controlo, e mesmo os saberes mais remotos, com a mecanização, se foram tornando mais desnecessários. A economia autonomizou-se de tal forma que poucos se apercebem do seu objetivo inicial, que era servir as necessidades humanas. Numa estranha inversão de prioridades, hoje o Homem serve a Economia (cujos poucos donos também não estão totalmente isentos de contrariedades), sendo escravo dela. A Economia é mesmo vista como uma Ciência, o que, considerando-se que não tem origem na Natureza mas que é um,a construção humana, não é lógico. Pobre ser humano, a quem a Natureza foi dando uma inteligência superior a todos os outros seres, e que, dotado de capacidade de abstração, criou novos problemas… pelo simples facto de desenvolver de forma inesperada uma necessidade básica tão velha como o Universo: sobreviver, sobreviver melhor…
Infelizmente, toda esta conjuntura aumenta os conflitos sociais. Daí que estudar formas de mediar conflitos em escolas se torne, não só necessário, mas imprescindível. A limitação deste estudo é óbvia: não pode atuar sobre as verdadeiras raízes dos problemas, que residem, mais do que nas características individuais ou coletivas de uma pessoa, um grupo, ou um povo, na forma de organização das sociedades humanas. De qualquer forma, não sendo possível atuar no dia-a-dia de forma a procurar resolver os problemas de fundo, que se minimizem os efeitos, e que se procure, pelo menos, tornar mais “feliz” (por que não usar esta palavra?), pessoal ou socialmente integrada, uma pessoa ou uma comunidade.
Uma outra vertente contraditória neste contexto é o da criação duma homogeneidade forçada. Na verdade, num modelo social e económico onde se faz de cada indivíduo uma peça de uma gigantesca engrenagem, não há lugar para grande respeito pela diversidade. É desta forma que, numa sociedade em que cada vez é possível conhecer mais e mais diferentes modos de vida, muitos destes só podem ser admitidos como destinados a morrer, como simples “peças” de Museu (o facto de se tratar de um Museu Etnográfico não ameniza o problema). As minorias são submetidas a variadas pressões, e muitas delas, impedidas de continuarem a viver o seu modo de vida tradicional, são forçosamente integradas em modelos em tudo estranhos para elas. Irónico é o facto de, em alguns aspetos, esses modelos significarem avanços civilizacionais, como no que se refere aos direitos humanos. E, todavia, este aspeto só gradualmente é compreendido pelos interessados, “massificados”, sem escolha, por quem os olha de forma desconfiada, não obstante os ter obrigado a essa massificação. Aqui, a nível de conflitos, surgem outros problemas, pois os grupos integrados à força e de forma pouco consensual resistem, de forma tantas vezes violenta, dando origem a fenómenos de rejeição, quando não de racismo declarado. Digamos que elementos dessas minorias são desprezados porque não se integram, ao mesmo tempo que se parte do princípio que tal nunca sucederá, pelo que o desprezo se mantém em qualquer das vertentes.
Note-se que este tipo de situações não é novo na História. Perante uma sociedade em mudança e em crise em simultâneo, sempre foi comum unir a comunidade e principalmente os seus elementos mais descontentes em torno do ódio a algo que se afigure estranho, invulgar, exterior, pelo menos em parte, aos valores dominantes. É desta forma que, ignorando os verdadeiros responsáveis por muitas calamidades sociais e históricas, se produziram lamentáveis perseguições contra grupos que pouco ou nada tinham a ver com essas mesmas calamidades. Será que a Humanidade tem dificuldade em aprender com os seus erros? Já se sabe que, muitas vezes, é isso mesmo que sucede. Esperemos, todavia, que graças à informação disponível, e à orientação para essa mesma informação, por parte de quem tem mais consciência social e espírito aberto, quanto mais não seja pelo seu papel na sociedade, se possam evitar maiores injustiças!
Não pretendo debater aqui se a solução para os problemas atuais está num capitalismo mais controlado, ou em algum tipo de revolução socialista, ou se este é um caminho que não tem alternativa, e que vai continuar, quer se queira ou não. Não é esse o objetivo deste texto. Toda esta introdução se destina a contextualizar situações de conflito no nosso dia a dia, principalmente se se é professor/educador.
Não poderei debruçar-me muito sobre conflitos específicos de jovens de idades inferiores a treze ou catorze anos, pois, profissionalmente, não tenho contacto com eles. Assim, referirei conflitos mais próprios de idades acima dos números indicados, e em torno dos mesmos jovens e suas famílias, escolas, meios sociais, etc.
As escolas dos nossos dias estão com problemas cada vez maiores.
Desde logo, os jovens têm de resolver sozinhos os seus problemas. As famílias, ou porque trabalham em horários cada vez mais desumanos, ou porque estão preocupadas com ameaças de desemprego (quando não vivem a angústia de, tendo caído no desemprego, procura subsistir, entre traumas psicológicos de vária ordem), as famílias, dizia eu, cada vez acompanham menos os seus filhos, jovens adolescentes sem afetos e com escassa transmissão de valores. Dentro desta conjuntura, ao lado de níveis de informação cada vez maiores, por via da informática, vêm ao de cima muitas fragilidades pessoais/individuais. Liberalizada em costumes, a sociedade fornece poucas normas de conduta para usufruto dessa mesma liberalização. Muitos conflitos surgem pelo facto de muitos jovens, perante uma primeira adversidade, por vezes aparentemente de pouca importância, não saberem como agir. Facilmente entram em estados depressivos, e, como é de calcular, muitas vezes tentam um escape em comportamentos agressivos.
As famílias mais problemáticas, cujos problemas necessitariam de uma análise profunda, impossível de fazer aqui, transmitem os seus problemas aos descendentes. Não há propriamente nada de novo, mas a escolaridade obrigatória de doze anos, a vários títulos positiva, fez virem ao de cima muitas situações até então próprias de escalões etários mais baixos, que, pela idade, não eram tão visíveis, ou eram-no de forma diferente. Em jovens adultos de quinze, dezasseis, ou mais anos, os problemas são sentidos de forma diferente, e, de certa maneira, mais “adulta”… ao nível de manifestação de frustrações e de rebeldia a que podemos chamar mais “social”… ainda que não por tal percecionada pelos indivíduos em questão. Como exemplo, destaque-se o papel mais importante de problemas de vivência de sexualidade, ou de situações sentimentais em torno do interesse pelo outro sexo, nestas idades mais avançadas.
Os professores/agentes educativos/técnicos sociais veem-se perante situações pouco vulgares… principalmente se tiverem como referência a sociedade até à década de 1990.
Não tenho respostas para estas questões, mas gostaria de sublinhar que a mediação de conflitos, na sociedade em geral e nas escola em particular, tem de ser algo corretamente equacionado. Como tal, há que refletir nas suas causas profundas. Este texto é uma primeira tentativa, o início de um diagnóstico. E como ficou longo…
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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