A política bolsonarista está longe de ser um ato espontâneo de devaneio do presidente da República. Ela é um aceno positivo exatamente à sua base de apoio mais fiel, a qual necessita de um conflito constante para estar mobilizada.
Desde a deflagração da pandemia do novo coronavírus e, consequentemente, da geração de uma crise econômica, sanitária e especialmente humanitária, a maior parte da população brasileira foi instruída a realizar o distanciamento social para conter a contaminação em massa por esse vírus.
Nesse período, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, se empenhou em negar a gravidade e os riscos gerados pela contaminação em massa da população e ressaltar sempre que há uma histeria generalizada para o que seria apenas, nas palavras dele, “uma gripezinha”. Além disso, o chefe do Executivo brasileiro aponta que os efeitos econômicos do distanciamento social serão piores para a população do que os gerados pela contaminação pelo novo coronavírus.
A olhos distraídos, essa política parece um ato de insanidade, visto que a capacidade de geração de caos no sistema de saúde parece evidente quando são analisados os casos de Itália, Espanha e, mais recentemente, Estados Unidos. Os dois primeiros, inclusive, possuem cerca de 25% da população brasileira, nível de renda mais elevado e sistema público de saúde melhor desenvolvido. Mesmo com essas vantagens em relação ao Brasil, ambos já vivem uma crise sanitária sem precedentes, onde não há mais leitos disponíveis para os contaminados pelo vírus.
Todavia, essa política bolsonarista está longe de ser um ato espontâneo de devaneio do presidente da República. Ela é um aceno positivo exatamente à sua base de apoio mais fiel, a qual necessita de um conflito constante para estar mobilizada – ou seja, para esse setor da sociedade que garante um apoio mínimo para o clã Bolsonaro, é necessário sempre ter um inimigo para ser combatido.
Essa base é representada por ministros estratégicos de seu governo, como Abraham Weintraub, da Educação, Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores. Eles cumprem papel importante – o primeiro, em travar uma cruzada contra os estudantes e pesquisadores das universidades públicas, que seriam o principal reduto da esquerda brasileira.
No caso do Meio Ambiente, o ministro em questão se esforça em prol do negacionismo aos problemas climáticos mundiais e dialoga também com o movimento anti-ciência. No caso das Relações Exteriores, é central para essa base como o governo se relacionada com determinados países; portanto, a forma como o Brasil se posiciona frente a Cuba, Venezuela, China e, na ponta contrária, aos Estados Unidos, alimenta também a mobilização dessa base mais fiel ao governo Bolsonaro.
Esse inimigo pode variar ao longo do tempo; pode ser a esquerda como um todo, o ex-presidente Lula ou mesmo antigos aliados, como Wilson Witzel e João Doria, governadores dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente. Dessa forma, é imprescindível para Bolsonaro não se alinhar ao consenso estabelecido a nível mundial, no qual é necessário o afastamento social para vencer a pandemia.
Não há dúvidas de que parte da população que apoiou Bolsonaro durante as eleições em 2018 neste momento se desencanta ainda mais com o candidato escolhido. Nesse sentido, a política bolsonarista também pareceria uma loucura, dado que fará com que ele perca apoiadores. Contudo, essa fração da sua base política não é mobilizada. Portanto, dada a forma de fazer política de Bolsonaro e mirando o objetivo da reeleição, em 2022, neste momento essa parcela da população é dispensável.
A política de Bolsonaro é centrada no conflito, na confusão e, especialmente, na divisão. Portanto, a divisão da sociedade para que haja o conflito é essencial para ele. A partir de um cálculo político no qual ele mantém essa base fiel – que, segundo os institutos de pesquisa, gira em torno de 25% a 30% da população -, será possível manter um “exército” para enfrentar o conflito com os demais setores da sociedade em um posterior período eleitoral.
Além disso, apresentar-se como um contraponto ao restante da sociedade colabora para gerar uma confusão de ideias e ficar em destaque, por mais que, para uma grande parcela da sociedade, a posição apresentada não seja aceita. A necessidade de gerar essa confusão faz até mesmo com que, nesse caso, ele se distancie até da política aplicada por alguns aliados internacionais em relação ao viés ideológico, como o presidente americano Donald Trump ou o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi.
A partir do conflito, então, elegendo um inimigo em comum a ser combatido, seria possível para Bolsonaro retomar uma parcela de apoio mínima que tornasse possível a sua reeleição. Apesar de parecer uma ideia insana, ela condiz com um cálculo frio e sem sentimentos que tem como principal objetivo a manutenção do poder, independente dos meios utilizados para isso.
Levando em conta que, mesmo antes da crise gerada pela pandemia, a atividade econômica no Brasil mostrava poucos sinais de recuperação, o desemprego continuava em taxas elevadas e a crise social brasileira estava longe de uma melhora, as chances de reeleição de qualquer presidente seria reduzida.
Nesse sentido, para concretizar seus objetivos políticos, Bolsonaro está disposto inclusive a tomar o risco de gerar inúmeras mortes na população brasileira, que poderiam ser evitadas com um discurso sóbrio e coerente pelo chefe do Executivo brasileiro. Visto que, para Bolsonaro, não há escrúpulos para atingir seus objetivos, uma pandemia global que já gerou quase 100 mil mortes se apresentou, na visão dele, como um presente divino.
por Vinicius Brandão, Doutorando em Economia no Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense (PPGE/UFF) e pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE/UFF) | Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado
Publicado no Observatório da Imprensa