A última vez que se pensou e se preparou uma visão estratégica para o nosso país foi com a aposta europeia que foi protagonizada por Mário Soares. A Europa estava naturalmente bem presente entre nós, sendo o destino de fuga de milhões dos nossos compatriotas e o parceiro fundamental das nossas relações económicas, mas Portugal não era um parceiro de plano direito do clube europeu.
Congresso Mundial da Ciência Regional de 29 de Maio a 1 de Junho no campus de Goa do Instituto de Tecnologia e Ciência Birla (BITS-Pilani, Goa), em Zuarinagar, na periferia da cidade de Vasco da Gama, a maior do Estado de Goa.
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Goa, capital da ciência regional
A “Associação Regional da Ciência Regional” (RSAI) sediada em Angra do Heroísmo, nos Açores, e cujo secretário-geral é o Professor Tomaz Dentinho – que é também o director de investigação em desenvolvimento regional no “Fórum Democrático da Ásia do Sul” (SADF), com sede em Bruxelas, e de que eu sou o director executivo – promove o Congresso Mundial da Ciência Regional de 29 de Maio a 1 de Junho no campus de Goa do Instituto de Tecnologia e Ciência Birla (BITS-Pilani, Goa), em Zuarinagar, na periferia da cidade de Vasco da Gama, a maior do Estado de Goa.
A conferência será aberta por sua excelência Mridula Sinha, a Governadora do Estado de Goa, contará com milhares de participantes e debaterá 750 comunicações subordinadas ao tema geral “Sistemas espaciais: integração social, desenvolvimento regional e sustentabilidade”, organizadas em dezenas de sessões.
A conferência surge de um primeiro contacto feito entre o SADF e o campus de Goa do BITS-Pilani – uma das maiores e mais prestigiadas instituições de investigação privadas indianas – há cerca de dois anos e foi promovido e organizado fundamentalmente através do trabalho do Professor Tomaz Dentinho, no quadro da RSAI. O SADF organiza dois painéis em quatro sessões, sendo eu em particular responsável pelo painel relativo à água, apresentando uma comunicação sobre salinização.
Em Goa situa-se a cidade com o mais vasto património arquitectural religioso português que eu já vi. A população de Goa tem uma apreciação por Portugal que não creio tenha paralelo fora do quadro estritamente nacional. A ascendência goesa do Primeiro-Ministro português teve aqui um efeito catalisador de uma ainda maior interesse e simpatia por Portugal que só por falta de empenho não é vista no nosso país como um ponto de apoio para uma estratégia de desenvolvimento de primeiro plano.
Goa é assim por uma semana a capital mundial da ciência regional, o que é também uma oportunidade para reflectirmos sobre o potencial económico, social e político que a relação luso-goesa tem para nós.
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Portugal à espera de um rumo estratégico
A última vez que se pensou e se preparou uma visão estratégica para o nosso país foi com a aposta europeia que foi protagonizada por Mário Soares. A Europa estava naturalmente bem presente entre nós, sendo o destino de fuga de milhões dos nossos compatriotas e o parceiro fundamental das nossas relações económicas, mas Portugal não era um parceiro de plano direito do clube europeu.
Já nessa altura se discutia essa prioridade nos bizantinos termos de saber se não estaríamos assim a abrir uma porta para fechar outra – a do mundo de expressão portuguesa – esquecendo que Portugal sempre se abriu para o mundo em função dos seus interesses europeus; foi de Bruges que D. Pedro fez a sua famosa carta e que se abriu o desígnio das especiarias; foi italiano o financiador da expansão portuguesa que entendeu o seu potencial, e foi católica, apostólica romana a fé em nome da qual ela foi feita.
Na verdade, Portugal não tem sido capaz de complementar essa aposta europeia com o potenciar do mundo de expressão portuguesa. O Brasil como país do futuro nunca passou de retórica, as relações com Angola foram vítimas de interesses obscuros e de vistas curtas, pouco materializando de sólido e estratégico, e foram vítimas da fatwa anti angolana do Irão, com Macau continuámos a ter a economia do casino e outras actividades que daí derivaram, mas tão pouco uma parceria estratégica, e pouco há a registar no resto do mundo de expressão portuguesa, muito em especial na completamente marginalizada Índia.
Em vez disso, tivemos os negócios de armas que nos colocaram nas mãos de obscuros interesses – como os da teocracia iraniana – que fizeram algumas fortunas de portugueses mas que nos remeteram a um papel pouco escrupuloso e com pouco futuro. A aposta irano-venezuelana que se desenhou a partir das contrapartidas com o negócio dos submarinos aprofundou os vícios do que vinha de trás e deixou um país profundamente endividado e com elites bancárias e políticas imersas numa sombria teia de interesses e cumplicidades económicas e políticas que não oferecem perspectivas de futuro ao nosso país.
A Europa atravessa um período de profundo marasmo, mas não é certamente a pensar em alternativas à Europa, que temos de reflectir sobre Portugal. A Europa é a península ocidental do vasto continente euro-asiático, e Portugal é só a mais ocidental das pontas dessa península.
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Goa numa nova estratégia política
Goa é importante por três ordens de razão. A primeira é a que já assinalámos, e é a da existência de profundos laços históricos, culturais e afectivos com Portugal, laços que não estão minimamente desenvolvidos; a segunda é de que Goa é um Estado, parte de uma república federal, que é uma das mais antigas e sólidas democracias do nosso globo, e a terceira é de que essa democracia é também praticamente o maior país do mundo e um dos que se desenvolve a maior ritmo, partindo contudo de uma base económica e socialmente frágil.
Não se trata de pensar em Goa em alternativa ao que quer que seja, mas sim como ponto complementar de estratégias culturais, comerciais, educativas, científicas, industriais e mesmo agrícolas.
Com quase dois milhões de habitantes, Goa é relativamente insignificante na Índia, mas é um parceiro potencial interessante para Portugal. O facto de ambas as realidades estarem inseridas em espaços geopolíticos diferentes e a regras diferentes, não obsta mas antes potencia o que há a fazer em conjunto.
Quando da minha passagem por Goa, a única evidência que pude constatar da cooperação luso-goesa foi a da celebração da ‘semana da cultura indo-portuguesa’ centrada no fado. Não é um mau começo, e creio ser um dos mais importantes símbolos da nossa relação cultural, mas pode e deve ser visto como algo a ser continuado num programa de intercâmbio cultural mais vasto e também de cooperação turística.
O domínio que creio ser neste momento o prioritário, no entanto, é o da cooperação educacional e científica, em todos os domínios, a começar pelas tecnologias da informação, ponto forte na Índia, como sabemos. A Índia é neste momento o país com maior população beneficiária do programa ‘Erasmus Mundi’ o que dada a dimensão do país é pouco mais do que insignificante. Portugal pode, naturalmente, aproveitar a vertente europeia da cooperação educacional e científica, mas não pode limitar-se a ela, tem que ter uma estratégia própria nesse domínio.
Quanto ao resto, quase tudo depende dos agentes económicos de ambos os lados, sem que o Estado possa pretender decidir sobre tudo o que respeita a essa cooperação.
Embora a herança cultural portuguesa seja ubíqua no Estado, a língua portuguesa quase desapareceu, e não creio que submeter Goa à lógica da lusofonia seja uma estratégia praticável. Para além disso, e como é evidente, Goa é parte integrante da Índia, e isso tão pouco pode ser ignorado nas relações bilaterais.
Sem prejuízo da inserção informal de Goa em veículos de cooperação internacionais já existentes, penso por isso que é necessário pensar em Goa de forma específica, aqui, mais em paralelo com o que se pode fazer com Macau ou mesmo com outras pequenas comunidades onde a cultura portuguesa subsiste, nomeadamente no Sudeste asiático.
O Primeiro-Ministro de Portugal poderia naturalmente aproveitar a sua ascendência para dar o pontapé de partida numa estratégia que tarda a despontar e que não deve ficar reduzida ao fado e ao tema que lhe é mais recorrente: a saudade!
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