Há um coro de reclamações no ar contra a decisão do ministro Flávio Dino, do STF, excluindo da regra fiscal os gastos do governo no combate aos incêndios na Amazônia e no Pantanal. Críticas contundentes foram feitas pelo deputado Cláudio Cajado, que foi o relator do Arcabouço Fiscal na Câmara, mas ele não é o único reclamante. A bronca com Dino tem uma razão elementar: poupando o governo de ter que pedir a excepcionalidade ao Congresso, o ministro tirou dos congressistas uma chance de cobrar pedágio pela aprovação.
Ontem, o presidente Lula editou uma MP destinando R$ 512 milhões às ações cobradas pelo próprio Dino, que não contarão para o cálculo do déficit fiscal. Se tivesse que negociar a regra especial com o Congresso, talvez o governo gastasse mais do que isso em liberação de emendas e outros favores. O ministro Fernando Haddad, obviamente, elogiou a decisão de Dino.
Em nota distribuída ontem, Cajado afirmou que “a competência para definir a exclusão da base dos gastos públicos de qualquer despesa, seja ela prevista ou não no orçamento, é exclusiva dos Poderes Executivo e Legislativo, não cabendo ao Judiciário fazê-lo”. Disse ainda que “se não há previsão do governo nas despesas com fatores exógenos e excepcionais na previsão orçamentária, fica claro que houve erro, falha ou falta de previsibilidade da peça orçamentária enviada ao Congresso Nacional pelo governo federal.”
De fato, o governo não reservou recursos suficientes para o enfrentamento do fogaréu que tem varrido o país, mas também é preciso considerar fatores imponderáveis, como a ocorrência de incêndios criminosos e o agravamento das condições climáticas, como o prolongamento da estiagem e o aumento das temperaturas, que funcionaram a favor das chamas. Mas o que está incomodando setores do Congresso não é a excepcionalidade fiscal. É a perda de oportunidade para achacar o governo.
Vale explicar que Dino não vem atuando por voluntarismo na questão dos incêndios. É como relator de ADPFs (Ações por Descumprimento de Preceito Fundamental) de 2021, apresentadas por PT, PSOL e Rede, que ele vem cobrando medidas do governo contra os incêndios e tomando decisões, como a que isentou os gastos de impacto fiscal. Ontem houve reunião dos três poderes para o acerto de ponteiros em relação ao assunto.
Aquelas ações foram apresentadas no contexto de incêndios que ocorriam na época, atingindo apenas os dois biomas, Amazônia e Pantanal. Ontem, a Procuradoria-Geral da República pediu a extensão das medidas ao bioma Cerrado, que vem sofrendo agressões por fogo no Centro-Oeste e mesmo no Distrito Federal, onde vem ardendo a Floresta Nacional de Brasília.
Dois eventos extremos, duas reações
As críticas ao gasto livre no combate aos incêndios na Amazônia e no Pantanal, que vêm também de setores do mercado, carregam outra incoerência, que fala sobre o apreço das elites pelas diferentes regiões do país.
Para começar, a tragédia dos incêndios não vem causando a mesma comoção e empatia despertadas pelas enchentes que castigaram o Rio Grande do Sul.
Para a reconstrução do estado sulista e para ajudar os gaúchos, o governo pediu também créditos extraordinários sem impacto fiscal. Já foram editadas 15 Medidas Provisórias que tratam, no todo ou em parte, de medidas para socorrer o Rio Grande do Sul, totalizando cerca de R$ 40 bilhões. Ou seja, oito vezes mais do que está sendo destinado a combater o fogo e a socorrer os que vivem no Pantanal e na Amazônia: indígenas, caboclos e quilombolas.
Não se viu, porém, o mercado ou o Congresso criar caso com o gasto, justo e necessário, já realizado para socorrer o povo gaúcho e sua economia.
E para completar, o governador dos gaúchos é mal-agradecido e o eleitorado de Porto Alegre, segundo as pesquisas, tem pouca memória: o prefeito que não fez seu dever de casa, que não manteve sequer as bombas de sucção em bom estado, teria quase o dobro de intenções de voto da segunda colocada, a candidata apoiada por Lula, deputada Maria do Rosário, do PT.
Texto original em português do Brasil