Do discurso que Ulysses Guimarães fez na tarde daquela terça-feira, 5 de outubro de 1988, na promulgação da nova Constituição, uma frase ecoa até hoje na memória de muitos e é a mais citada nos textos históricos: “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”. Passados 34 anos, aqui estamos nós numa eleição em que está em jogo a sobrevivência da democracia.
Com “ódio e nojo à ditadura”, Ulysses sintetizou o significado central da Carta que sepultava a longa e truculenta ditadura militar e inaugurava o mais longo período democrático que já vivemos: ela vinha para garantir a democracia e suas promessas: direitos, liberdades e garantias, soberania, busca da justiça social e de maior igualdade entre os cidadãos.
Quatro anos depois, em outro 5 de outubro de 1992, eu e Jorge Bastos Moreno fomos ao gabinete de Ulysses cumprimentá-lo, antecipadamente, pois ele estava saindo de viagem, pelo aniversário que ele faria no dia seguinte. Ele pegou um exemplar da primeira edição da Constituição e escreveu uma dedicatória a meu filho Rodrigo, na época com dez meses de idade. Está guardada. No dia 12, Ulysses desapareceu no mar de Angra, na queda de um helicóptero. Já não existem liberais como ele.
Passados 34 anos, aqui estamos numa eleição que põe de um lado um herdeiro saudoso da ditadura e de outro o deputado mais votado para a Constituinte. Um Bolsonaro que promete enquadrar todo mundo nas quatro linhas da Constituição que ele mesmo vem violando e o ex-presidente que de fato pode nos garantir a liberdade e o avanço na implementação dos direitos e promessas da Constituição – pois muita coisa não saiu ainda do papel. Aqui estamos para escolher entre democracia e ditadura.
A campanha está se transformando em guerra religiosa para que o povo tire a atenção dos problemas que realmente exigem solução. Acusa-se Lula de satanismo e macumbaria para que não falemos de desemprego, pobreza e desigualdade. Falam de comunismo aos jovens para que eles não perguntem sobre o futuro que não terão com Bolsonaro.
A hora é de repetir Ulysses e dizer: Temos ódio e nojo a quem ameaça a democracia. A quem quer a volta da ditadura e o primado da ignorância.
Resumidamente: temos nojo de Bolsonaro.
Ele nem merece nosso ódio, sentimento que o anima e que move boa parte de seus apoiadores.
Texto original em português do Brasil