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Sexta-feira, Novembro 1, 2024

Contagem decrescente para as eleições europeias

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A Comissão Europeia lançou a um de Março deste ano o chamado “Livro Branco sobre o futuro da Europa – Reflexões e cenários para a UE27 em 2025” contendo um plano de acções a levar a cabo antes das eleições parlamentares de Junho de 2019.
O documento parece essencialmente um guia básico para direccionar os discursos eleitorais a serem tidos pelas elites europeias de forma a fazer face ao “movimento populista” que levou ao Brexit e mais geralmente se traduz numa vaga eurocéptica varrendo o eleitorado europeu. O ‘livro branco’, no entanto, lida com o Brexit apenas no título substituindo UE28 por UE27 e ignora a crescente impopularidade da UE.  A noção de que ‘Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, existe um risco real de que a actual geração de jovens adultos acabe por ter condições de vida piores do que os seus pais’ aparece nas primeiras páginas do documento, mesmo antes da apresentação dos cinco cenários de futuro possíveis, e como que um facto adquirido.

Lógica burocrática circular
O documento é como que fechado sobre si mesmo e mede o impacto das cinco opções políticas noutras opções políticas, e não na vida dos cidadãos, numa lógica burocrática circular. Impactos na vida real da população aparecem apenas no subtítulo ‘Pequenos exemplos ilustrativos’. Estes apesar de também se centrarem em medidas políticas mencionam finalmente impactos na vida dos cidadãos (comércio electrónico, passagem transfronteiriça em carros conectados à internet, tempos de espera em aeroportos e estações de comboio, harmonização de regulamentação na qualidade do ar e a da água, segurança informática, protecção consular e alguns direitos do consumidor).

Os ‘Carros conectados à internet’ são a única área de interesse do cidadão presente em todos os cinco cenários futuros, como se uma agenda Europeia focada no cidadão devesse dar qualquer prioridade crucial à questão de como vão os acessórios de internet dos carros conectados funcionar ao atravessar fronteiras europeias.

De certa forma, é exatamente esta a estratégia eleitoral da União Europeia: focar apenas o sector da opinião pública preocupado com a forma como os carros conectados à internet vão atravessar fronteiras. Quem está mais preocupado com o emprego e futuro dos seus filhos, pensões de reforma, rendimentos e impostos ou paz e estabilidade através do mundo fica para trás.

Europa a várias velocidades
E assim se ignoram as populações e as suas mundanas preocupações, esperando que estas retribuam continuando a ignorar as eleições e as instituições europeias.

E caso elas decidam um divórcio, teremos então o terceiro cenário contido no documento: o de uma Europa a várias velocidades, implicitamente tido como o favorito e apoiado pela França e Alemanha assim como (através de uma autoproclamada cimeira em Versalhes) pela Espanha e Itália.

Esta Europa a várias velocidades pressupõe um núcleo duro imune a crises. Os decisores europeus parecem seguir aqui uma previsão recente da Bloomberg segundo a qual Le Pen teria 15% de probabilidades de ganhar as eleições, Grillo 25% probabilidades de vencer as eleições italianas e a Grécia 50% de probabilidades de sofrer uma nova crise. As crises seriam assim resolvidas remetendo-se para uma velocidade mais reduzida os seus fautores.

Os Estados Unidos – país classificado como “uma ameaça existencial para a Europa” pelo recentemente re-eleito presidente do Conselho Europeu Donald Tusk – está conspicuamente ausente destas análises, a profunda hostilidade para com eles sendo apenas revelada pela sua ausência gritante da lista de países considerados como “parceiros com valores partilhados”.

A política fiscal – no centro de alguns dos mais profundos escândalos na UE e assunto sobre o qual não faltaram ambiciosas promessas – é vagamente mencionada como um problema de “evasão fiscal”.

A política monetária é mencionada no contexto do conhecido refrão segundo o qual tudo se vai resolver quando se terminar de legislar uma imensa série de regulamentações.

O tom de autossatisfação com o comparativamente baixo nível de desigualdade social pode ser seguramente interpretado como significando que os cidadãos europeus não devem esperar qualquer acção por parte da União Europeia no que toca à pobreza e inclusão, termos, de resto, visivelmente ausentes do documento.

O desemprego é mencionado três vezes, sempre com o intuito de realçar uma melhoria europeia; o emprego por sua vez é também mencionado três vezes como exemplo de área onde a UE terá ainda menos acção. Também a preocupação em melhorar empregabilidade e condições de emprego está ausente do documento.

O meio ambiente não foi considerado digno de inclusão, ou mais precisamente foi reduzido a apêndice acerca da chamada “política de descarbonização”; outras políticas europeias, tais como a política regional e a política social, são apenas mencionadas negativamente e entendidas como áreas onde será difícil convencer Estados Membros a envolverem-se como o terão feito antes.

Já a defesa ocupa um lugar central no documento mas através do prisma simplista que a equaciona apenas em função da “migração, terrorismo e ciberguerra”. O livro branco anuncia documentos a publicar brevemente sobre defesa e globalização.

66º aniversário da primeira Comunidade Europeia
No dia 25 de Março de 2017 as instituições europeias celebrarão o 60º aniversário de duas comunidades europeias que se seguiram à original, a económica e a nuclear, e o Conselho planeia aprovar uma declaração inspirada neste livro branco.

O Tratado de Paris assinado a 18 de Abril de 1951 criou a primeira Comunidade Europeia (então baseada no carvão e aço) não é sequer mencionado no livro branco, que salta do Manifesto Ventonete de Junho 1941 directamente para o Tratado de Roma de 1957.

A celebração do 66º aniversário da primeira Comunidade Europeia poderia ser uma boa ocasião para se lançar um debate alternativo sobre o futuro da Europa, fugindo tanto à noção identitária baseada num retorno a um passado mítico de Estados Nacionais independentes, como à visão eurocrática cada vez mais desfazada dos cidadãos europeus e respectivos interesses.

Num mundo de inovação tecnológica permanente e estonteante não podemos aceitar ver as futuras gerações condenadas a uma vida pior do que a do presente; devemos pelo contrário condenar as opções políticas que aceitam este futuro e substituí-las por outras. 

As alternativas políticas que devemos ponderar para 2025 deverão preocupar-se em primeiro lugar com a igualdade social, emprego e a protecção do ambiente, e no plano global com uma contribuição positiva da Europa para um mundo mais seguro, racional e desenvolvido.

Com estes objectivos, devemos avançar para reformas estruturais nos sistemas monetário e fiscal, trabalhando em cooperação com os nossos parceiros além-Atlântico e um pouco por todo o mundo de forma a reformar o nosso sistema político e económico globalizado e fazer frente às questões cruciais de desenvolvimento sustentável, segurança e protecção do meio ambiente.

A celebração dos 66 anos do Tratado de Paris é uma ocasião perfeita para esse desafio. Ter em consideração que a UE começou há 66 anos com base num cartel de carvão e aço é tanto um poderoso símbolo de tudo o que conquistamos desde então, como também uma lembrança das mudanças radicais que temos que levar a cabo na arquitectura política e adminsitrativa da UE de forma a torná-la capaz de enfrentar os desafios contemporâneos.

Uma “route 66” europeia que tem de ser construída em cooperação com todas as democracias do mundo.

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