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Domingo, Novembro 24, 2024

Continuidade: um delicado poema da cubana Lina de Feria

Lina de Feria nasceu em Santiago de Cuba em 1945. Poeta e ensaísta, é considerada uma das mais destacadas vozes femininas da poesia cubana contemporânea e já recebeu inúmeros prêmios internacionais. Entre suas obras, merecem destaque A mansalva de los años (1990), El ojo milenário (1995) e Rituales del inocente (1996).

Para o crítico Arturo Arango, a produção poética de Lina é capaz de representar “a dialética entre o indivíduo e a história, a forma agônica, vital, como nós cubanos aprendemos a compreender, a assumir a viver e a fazer a história”.

Continuidade, o poema foi retirado da coletânea La beleza de lo entendible (2016). Seus versos demonstram muito bem a delicadeza, a complexidade e a profundidade das imagens inusitadas que caracterizam a poesia de Lina de Feria. 

A tradução para o português, inédita, é de poeta Alexandre Pilati, professor de Literatura da Universidade Brasília (UNB). Confira o poema.

Continuidade

por Lina de Feria

as imagens furtivas devolvem corpos
que se movem da memória involuntária
para o dispor do olhar
nos trajes infinitos
com que conheceram vida e estilo.
então o parque é meu parque
e a maldita noite em que a lua não sai
morde a memória das vinte pessoas
que foram importantes nos anos cinquenta
e desvaneceram
como o pó estelar mais antigo
e como objetos reais de estranhas Patagônias
onde tudo está perdido.
ficou de valquíria o olhar pleno
de angustiadas alegrias
em que ela captava os contrastes
para me dar a explicação do que é o livre
o mais inapreensível
a imediatez do instante em si.
e em seguida essa alegria
quando os sinos batiam abrindo os portões
e vovô Yuyo
vestia-se com seu relógio e seu belo chapéu
e mergulhava-me nas múltiplas histórias
imaginárias
alcançando a estrela escura
fazendo verter na poderosa fonte
a água que atravessava o mar de silêncios.

agora a bola de cristal é este musgo
onde a vida desenha um lótus superabundante
aberto como o sol do meio-dia.
estarei sempre olhando para temas como estes
junto aos espinhos do bem
e a solidão do movimento
e quando me sentir cansada de perder coisas
vou retomar a rua
para me perder entre os outros
sentindo-me
a menor das criaturas.


Tradução para português do Brasil de Alexandre Pilati, professor de Literatura da Universidade Brasília (UNB)

Exclusivo Editorial PV / Tornado


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