São loucas as ‘bedtime stories’ de Matteo Garrone
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Seja como for, estes contos são inspirados na mitologia napolitana do século XVI, por um tal poeta e professor Giambatista Basile, que Garrone se encarregou de adaptar com a ajuda de Edoard Albinati, Ugo Chiti e Massimo Gaudioso.
O filme consegue fazer a ponte entre o encantamento, mas também a ingenuidade, dos contos Disney ou Grimm, embora com alguma incursão no universo mais ousado e até grotesco, ainda que cok o cuidado de nunca resvalar para a comédia. Como uma versão séria de Monty Python e o Cálice Sagrado ou até mesmo de Shrek. Só não se percebe uma coisa: porquê a necessidade de adoptar a língua inglesa e um cast de estrelas anglo-saxónicas.
Compreende-se alguma tentação de tentar ‘vender’ melhor o filme, embora o filme não trilhe esse caminho. Soa um pouco a algo ‘embalado’, o que lhe retira algum brilhantismo. Antonioni e Pasolini estiveram lá perto e não necessitaram dessa muleta.
Mas não é por aí que o filme desmerece. Pelo contrário. Esta narrativa cruzada de três histórias convive tão perto com uma salutar loucura que nunca desarma e alimenta-se com algum orgulho de uma mitologia que inclui gloriosos monstros e um deslumbrante ambiente visual.
Tudo se passa em três reinos, cada qual dominado pelo seu castelo e por desejos ardentes de soberanos. Em Selvascura, uma rainha está preparada para tudo para ter uma criança. Ela é Salma Hayek, que aceita o conselho de um feiticeiro em capturar o coração de um monstro marinho e fazê-lo cozinhar por uma virgem. Ao comê-lo ficaria de imediato grávida. John C. Reily será o soberano encarregue da façanha de matar o monstro, embora a sua presença seja demasiado curta para conhecer o filho, bem como o irmão gémeo albino que nascera da virgem…
Já em Rocaforte, Vincent Cassel é um monarca de fortes apetites sexuais que se deixa deslumbrar pela voz celestial, sem desconfiar de que se trata na verdade, de uma velha carcomida. Na esperança de sair daquele ermo, a ‘donzela’ apenas acede a uma noite de sexo desde que seja em total escuridão. Ainda que o passe de magia suceda depois.
Finalmente, temos Toby Jones como o rei de Altomonte, reticente para arranjar um noivo para a sua filha, a princesa Viola (Bebe Cave). Soberano de peculiares gostos, deixa-se tentar por uma pulga que alimenta até se assumir a dimensão gigante. E só acederá a ceder a mão da filha a quem adivinhar a origem da pele que expõe aos presumíveis candidatos… Sim, há-de aparecer um ogre (mas não verde) com um conhecimento particular da anatomia animal.
Ao longo dos seus mais recentes filmes – Gomorra, sobre a mafia italiana, Reality, colocando-nos no interior de um reality show – Garrone tem vindo a alargar a sua técnica, mas também a sua diversidade. Este Conto dos Contos acaba por fazer sentido nesse conjunto. Não que supere os anteriores, mais vigorosos e intensos, embora vingue na forma mais directa, sangrenta mesmo, de comunicar estes contos. Os actores internacionais cumprem o seu desígnio, ainda que não acrescentem nada ao resultado final.
Nota: A nossa avaliação de * a *****