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Segunda-feira, Novembro 4, 2024

Nova Guiné Ocidental: A apatia perante um drama

Carlos Luna, em Estremoz
Carlos Luna, em Estremoz
Professor de História, Investigador

Vivemos numa época de contradições. As informações circulam a uma velocidade estonteante. Nada parece passível de ser escondido. A toda a hora surgem vagas de indignação contra atentados as Direitos Humanos. Manifestações. Vigílias.O terrorismo islâmico, então, está na ordem do dia. Os massacres insanos entram na casa de cada um, pela televisão e pela “internet” (basta um “clique”). É verdade que a opinião pública tende a valorizar mais a acções de terror na Europa ou no Estado Unidos do que em África ou na Ásia, por exemplo. Os sofrimentos dos curdos do Médio Oriente ou dos africanos do Ruanda e do Burundi dizem pouco aos europeus. As 2 000 vítimas do fundamentalismo na Nigéria nestes meados de Novembro de 2015 têm apenas um pequeno impacto. Mesmo assim, lá vão sendo notícia.

Menos sorte têm outros, de que quase ninguém ouviu falar. É um desses casos que aqui se aborda. O de um povo remoto, com costumes e culturas bizarros. E que, para além de estar a ser vítima de um genocídio diário, ainda teve o azar de sempre ter sido vítima de inúmeras decisões erradas de instituições internacionais.

Vou falar dos Papuas da Nova Guiné Ocidental, sob administração Indonésia. Meio milhão de mortos desde 1969. Sempre lutando, principalmente contra a indiferença e o esquecimento. Mas de que se começa a falar um pouco mais, aqui e ali. Como neste texto.

Não se pode compreender a real dimensão da tragédia sem História. Que, até certa altura, é a História duma enorme ilha, sem metades ocidental e oriental.

A história da Nova Guiné e dos Povos Papuas

A ilha da Nova Guiné, a Norte da Austrália, é habitada por quase 8 milhões de pessoas. É uma ilha bem grande, com 786 000 quilómetros quadrados (mais do dobro da Alemanha), e caracteriza-se por um relevo muito acentuado e uma beleza natural única, nomeadamente ao nível de espécies de aves, algumas das mais belas e exóticas do mundo. O nome “Nova Guiné” terá sido dado pelos navegadores portugueses no século XVI, perante a luxuriante cobertura vegetal e a cor negra dos seus naturais, semelhantes em muito à Guiné, em África.

Os seus habitantes, segundos estudos recentes, terão origem africana, tal como os aborígenes australianos (os “australóides”), e terão chegado ao atual território há cerca de 50 000 anos. A Nova Guiné e a Austrália estiveram ligadas por terra, ou pelo menos muito próximas, mas, após o último degelo. há mais de 10 000 anos, ficaram mais longe. E os povos da Nova Guiné, parte, tudo indica, de um grupo genericamente designado por Melanésios, isolados, desenvolveram as chamadas “Línguas Papuas”.

Mas… a designação “Línguas Papuas” refere-se a um agrupamento muito mais geográfico que verdadeiramente linguístico de línguas do Pacífico Ocidental. As línguas papuas (cerca de 780) não parecem ser uma família linguística na verdadeira acecção do termo; são agrupadas em várias famílias e macrofamílias cuja classificação precisa de ser mais estudada. Torna-se difícil compreender uma tal diversidade linguística em menos de oito milhões de habitantes, mas o relevo montanhoso da grande ilha, por vezes quase intransponível, deve ser a causa principal deste facto. É incrível como os locais quase não se entendem entre si.

Alguns destes Papuas vivem em tribos tecnologicamente muito pouco avançadas, mas muito ricas em termos folclóricos e mitológicos. Tudo indica que pouco terão evoluído nos últimos milhares de anos, permanecendo num neolítico mais ou menos avançado. A agricultura é, muitas vezes, bastante primitiva. E, todavia, há sinais de ligações comerciais, principalmente a Oeste e um pouco a Norte, com povos malaios-indonésios, e eventualmente com chineses. Alguns estados hoje integrados na Indonésia tiveram feitorias em zonas costeiras, ainda que pouco habitadas. Os portugueses, primeiro, e os espanhóis, depois, foram os primeiros europeus a chegar a tão remotas paragens (século XVI) , logo comerciando com as populações (ferramentas de osso, de madeira e de pedra, e, claro, algumas de metal). O explorador português Jorge de Menezes foi mesmo o primeiro a chamar “papuas” aos habitantes, ao que parece segundo uma denominação de um povo local.

O colonialismo

Os contactos comerciais foram-se mantendo, em especial, depois do século XVII, com holandeses, mas também com ingleses, franceses, e até alemães. Espantava a todos a diversidade de costumes, bem como muitas originalidades, algumas pouco aceitáveis, como a prática de canibalismo ritual por alguns grupos. No final do século XIX, como sucedeu noutras partes do mundo, a ilha, após conversações um tanto complexas, ficou dividida em três partes: uma holandesa, a ocidente, outra alemã, a nordeste, e uma britânica, a sudeste, transferida em 1902 para o Domínio da Austrália. Após a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha perdeu a sua parte para a Grã-Bretanha, fixando-se uma divisão bipartida. já que em breve a parte cedida pelos alemães era entregue à Austrália também, ainda que alguns aspectos administrativos permanecessem distintos.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os japoneses ocuparam quase toda a Nova Guiná holandesa, e partes das regiões australianas/britânicas, sendo rechaçados, após duros combates, só em 1944/45.

A grande ilha assistiu, nas décadas de 1950 e 1960, ao aparecimento de movimentos independentistas e anticolonialistas, nas duas regiões (holandesa/ocidental e australiana/britânica/oriental), principalmente nas cidades que as administrações europeias tinham desenvolvido, como sempre, nestes casos, no seu próprio interesse. Os grupos tribais mantinham-se bastante à margem dos novos tempos.

Na década de 1960, já a Indonésia era independente desde os finais da década de 1940, o general Sukarno renovou as reivindicações de Jakarta sobre a região ocidental holandesa da ilha, argumentando que ela fizera parte das Índias (Orientais) holandesas, como a Indonésia, e que sempre tinha havido contactos comerciais, já antes da presença europeia, entre as civilizações da Insulíndia e o território. Já antes Jacarta tinha tentado que a Holanda discutisse a administração da região, mesmo porque a ONU, através da sua Comissão de Descolonização, protestava cada vez mais contra a presença europeia naquela parte do mundo. Em 1961, alguma autonomia foi concedida, e foi criado um governo local com alguns poderes, que adoptou bandeira própria (partida verticalmente, um parte menor vermelha, à esquerda, com um estrela branca, e um parte maior, à direita com sete listas azuis e seis brancas, alternadas, dispostas horizontalmente).

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