DIA 15, FALAMOS
O nosso tempo revela, entre muitas outras coisas, um conjunto de contradições preocupantes. Uma delas tem a ver com a alimentação e o desperdício alimentar.
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O nosso tempo revela, entre muitas outras coisas, um conjunto de contradições preocupantes. Uma delas tem a ver com a alimentação e o desperdício alimentar.
Li um artigo em que os números são assustadores e nos deviam fazer pensar. E, já agora, deviam fazer alterar os nossos comportamentos.
Vejamos: “As Nações Unidas calculam que um terço dos alimentos é perdido ou vai parar ao lixo e que os países ricos deitam fora uma quantidade de alimentos equivalente à produção de toda a África Subsariana, isto é, cerca de 230 milhões de toneladas por ano.”[1]
No entanto, em Portugal (e em muitos outros países) há pessoas com fome, sem dinheiro para acederem a uma refeição decente todos os dias.
Dá que pensar.
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Outra contradição: milhões de pessoas obesas gastam dinheiro e tempo em programas mais ou menos apropriados de emagrecimento. Paralelamente, os Estados gastam muitos milhões a tratar pessoas com doenças originadas pelo excesso de peso. No entanto, esses mesmos Estados, quanto gastam em prevenção e comunicação activa de boas práticas alimentares para as escolas ou para as famílias?
A maioria dos Governos prefere, como sabemos, gastar muito mais dinheiro no tratamento do que na prevenção.
Dá que pensar.
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No ano passado, a torradeira lá de casa deixou de funcionar. Procurei e encontrei a factura. Azar: a garantia tinha acabado há dez dias. Mas o aspecto e o pouco tempo de uso levaram-me à loja onde a tinha comprado. Não achava necessário comprar já uma nova. Tinha esperança numa reparação e, com sorte, ainda conseguiria “activar” a garantia pois só tinham passado 10 dias.
Pois, correu tudo de forma diferente. O amável empregado lá me explicou que, para activar a garantia, tinha de colocar o número da factura de compra e o sistema detectaria a data e não o permitiria. Muito bem, então, pergunto: é possível enviar para a Assistência Técnica? Claro: tem um custo de 25 euros, informa. Perante a minha surpresa e desagrado acrescenta: “Se procurar na nossa loja, temos torradeiras novas a partir de 21,90€.” Para quê mandar arranjar…
O “sistema” controla implacável. E a política das empresas aponta para a pura substituição (geradora de mais lixo e de desperdício…) que, dizem, é mais rentável…
Dá que pensar.
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Desperdício alimentar, obesidade da população, falta de prevenção e esta filosofia do “usar e deitar fora”: o que têm em comum estas quatro situações?
Em primeiro lugar, são reveladoras do nível e do tipo de preocupações que Governos e todos nós (ou, pelo menos, a maior parte de nós…) temos.
São temas que, por vezes, são notícia. Por vezes, há um debate sobre ou lemos um artigo a propósito. Mas, em concreto, não sabemos o que está a ser feito e… não nos interessamos. Não colocamos na agenda mediática. Não incluímos nas exigências que fazemos quando vamos votar. Não faz parte das nossas preocupações porque, muitas vezes, é um problema “dos outros”. Não pensamos nas consequências e achamos normal. Ficamos, muitas vezes, indiferentes. A indiferença e esse hábito de olhar para o lado para não ver, são um gravíssimo problema… que é nosso.
Enquanto assim for, não há mudança. E muito menos a mudança mais difícil mas essencial em (quase) tudo: a mudança de comportamentos e de hábitos.
Diz a sabedoria popular: “prevenir em vez de remediar”. Simples? Certo. Mas, quem dá o primeiro passo?
[1] Virgílio Azevedo, “Alimentos consumidos em excesso por obesos pesam 108 vezes mais do que os deitados ao lixo” (Expresso, 23/08/2019)
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