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João de Sousa

Sábado, Novembro 23, 2024

Correntes Palavras D’Escritas

J. A. S. Lopito Feijóo K, Angola
J. A. S. Lopito Feijóo K, Angola
Poeta e crítico literário, ensinou Literatura Angolana. Membro fundador da Brigada Jovem de Literatura de Luanda (BJLL/1980), e do Colectivo de Trabalhos Literários OHANDANJI (1984). É membro da União dos Escritores Angolanos.

Neste Fevereiro de 2019, e por ocasião da comemoração do vigésimo aniversário das Correntes D’Escritas, aos demais participantes das anteriores edições foi lançado o desafio para a escolha e definição daquelas que para cada um seriam as mais correntes palavras em circulação no evento ao longo dos anos.

Achámo-lo interessante e provocador. Um desafio para vencer. Um desafio a não perder pois das definições correntes resultaria (…e  como resultou!?) a publicação de um singelo Dicionário das mais correntes palavras em circulação nas ruas, nas praças, nas casas  comerciais, na boca dos simples munícipes, nos corredores do Cine-Teatro Garrett e das Galerias Euracini, no centro da cidade.

Fazendo nossas as palavras do Vereador da Cultura do município da Póvoa de Varzim, Luís Diamantino, um grande entusiasta das Correntes, «…as palavras transcendem-se e elevam-se para lá da objectividade, acompanham o espírito e os sentimentos mais indecifráveis. Cada uma delas é uma história e é capaz de fazer um dicionário inspirado na sua vivência». E o projecto do dicionário vingou. Até porque, «20 anos de palavras dá para muitos textos dá para muitas recordações, dá para muitas conversas noturnas e madrugadoras, mesmo conversas idealistas e sonhadoras».

O projecto foi abraçado, também com um espírito profundamente descontraído e recreativo, como se pode observar pelo rol de motivos escolhidos e definidos: Abraço, acorrentados, aeroporto, alegria, alambique  ala-arriba, algemas, alma, aluimento, alvoroço, amigos, amistad, apoperplexia, aproximação, arame, areia, argi, atlântico, atlântida, atraso e a-ver-o-mar.

Bacalao, banquete, barco, beijoler, bienquerencia e bula. Cabrito, caldeirão, carreiro, catacultada, celebração, cerimónia, chegar, chegaracasa, ciência, ciranda, clareira, colores, companheirismo, cumplicidade, consanguinidade, contracorrente, conversa, convívio, corrente, correntes, correntesd’escritas,

Correntrituriliteracionamento, crescente, cultura, cumplicidade, curiosidade, de(d’), debate, decision, desafio, desajuste, desassombro, descubrimiento, deslumbramento, desmaterialização, diálogo. Ecoar, elefante, elo, elos, emoção, empatia, emprovar, encontro, encruzilhada, envolvimento, épico, epíteto, equipa, escrita, escritor, escutar, espuma, estuário, estudantes, exodermia.

Fê, festa, fevereiro, firmamento, flores, fractal, fogo, fotogáfos e futuro. Gastronauta, gratitude e gesto. Halófita, harmonia, horizontes, hospedar, hóspede, hospitalidade, humor, hoy, inclusão, instantâneo, insubmisso, irreverência e issilva. Janela. Kapuré e karma. Lar, las vegas, leão da lapa, letraherido, leito, leitores, liberdade, livre, lol, loucura, luto e luz. Mãe, mágico, manuela, mãos, mar, marés, maresia, marulhar, matrícula, memória, memórias, mesmidade, metáforas, metro, morabeza, mudanças, muelle e murmullo.  Neblina, noitada, noites, norrealismo e nós. Obstinação, oceanos, olhos e outridade. Página, paixão, palabra, palabras, palavra, partilha, partilhar, panmixe, peremptória, pó, poesia, poder, pontes, proquê, póvoa, prazer, primavera, público e puzzle.

Quando e quietude. Rádio, reconhecer, redondo, reencontro, refúgio, rejuvenescer, respaldo, retorno, revelación, rio, río e ritmo. Sabiomar, sal, sala, salsugem, saudade, saudades, sementeira, serendipia, serendipidade, sim, simbiose, sirena, sol (d’escritas), sorrisos, sotaques, sucesso, supimpa e surpresa. Teatro, tempo, tesão, torrente (d’escritas), transbordo, transfonterizo, transparência, tribo e troca. União e utopia. Valores, vento, vida, viagem, visibilidade, vivaz, vinte, vizinhança, vontade, vórtice, voz e vozes. Was ist das? E wow!. Xanaxorrentes. Ythlaf. Zabelê e zédasletrasamo-te.

Aí estão. São estes os lexicais motivos de (re)definição e afirmação do evento literário mais internacionalizado no espaço ibérico onde Angola tornou-se um mote de referência com presenças de alto nível e representatividade artística.  Sendo em boa verdade, muito nossa, Angola já não é só nossa. É palavra que circula anualmente nos meandros das Correntes pelo que definimos como sendo uma palavra oriunda do termo Ngola que por sua vez deriva de Ngolo, da língua  kimbundo falada pelo povo da etnia  ambundo e que se traduz como sendo ‘’força, forte ou fortaleza’’, de acordo com Joaquim Dias Cordeiro da Mata , um dos mais renomados intelectuais angolanos de sempre, e conforme o seu Ensaio de Dicionário  Kimbundo-Português publicado em 1893 em Lisboa.

Não raras vezes o vocábulo Ngola tem o significado de ‘’rei; soberano’’. Agora, com uma população de cerca de trinta milhões de habitantes, Angola é desde 11 de Novembro de 1975 um país independente do colonialismo português, cuja duração foi de cerca de cinco difíceis séculos de exploração e aculturação.

Geograficamente localizada ao sul do continente berço da humanidade, o mar atlântico com as suas mais distintas tonalidades de cor, quotidiana, suave, doce e ininterruptamente beija-a, abençoando o seu território enquanto motivo de inspiração para inúmeros criativos, artistas da palavra e não só. Angola é, indubitavelmente, palavra circular e circulante nas avenidas, nas  ruas, nas ruelas e até nos corredores das  Correntes D’escritas desde a sua primeira edição na Póvoa de Varzim, sendo o único país africano falante da língua portuguesa representado ao mais alto nível autoral, ao longo das demais edições do festival, com destaque para os poetas Manuel Rui, um dos totalistas em presenças no evento  e Rui Duarte de Carvalho, um ‘’grande’’ que nos observa, desde o mundo do além.

Como todas as pátrias que se prezam, Angola é, também, uma pátria de poetas. E é no seu honrado solo que nasceram alguns dos mais prestigiados e representativos poetas da língua portuguesa que ainda vamos imortalizando. António Jacinto, do pequeno grande rio ‘’Kiaposse’’ e sobrevivente do …Tarrafal de Santiago; Agostinho Neto, o Kilamba da Sagrada Esperança a quem coube a responsabilidade de   anunciar ao mundo a proclamação da independência do país e; Viriato da Cruz, telúrico poeta da angolanidade, da consciencialização e da afirmação de valores ético-identitários do povo antes colonizado. Estes são, somente, alguns exemplos de nomes de autores de referência obrigatória no mundo das correntes literárias em razão da afirmação e cultura da língua portuguesa no mundo.   


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