Novo comunicado e relatório da Amnistia Internacional, “A Double Dose of Inequality: Pharma companies and the Covid-19 vaccines crisis”, que avalia seis das empresas que têm nas suas mãos o destino de milhares de milhões de pessoas – AstraZeneca plc, BioNTech SE, Johnson & Johnson, Moderna, Inc., Novavax Inc., e Pfizer, Inc. – e que estão a contribuir para uma crise de direitos humanos sem precedentes, através da sua recusa em abdicar dos direitos de propriedade intelectual e partilhar a tecnologia das vacinas, com a maioria a não priorizar o fornecimento de vacinas aos países mais pobres.
Este relatório acompanha também o lançamento da nova campanha global “The 100 Day Countdown: 2 billion Covid-19 vaccines now!”. No mesmo dia em que o Presidente Joe Biden acolhe uma cimeira virtual com líderes mundiais sobre a pandemia da COVID-19, a Amnistia Internacional lança um desafio: a entrega de 2 mil milhões de vacinas aos países mais pobres (de rendimentos baixos e médio-baixos) até ao final do ano, ou seja, nos últimos 100 dias de 2021. Esta campanha para responsabilizar os Estados e as grandes empresas farmacêuticas é apoiada pela Organização Mundial de Saúde e pelo Alto Comissariado para os Direitos Humanos, e pretende ainda que o objetivo da OMS de vacinar 40% da população dos países de rendimentos baixos e médio-baixos seja cumprido.
De acordo com o relatório, existe uma monopolização da propriedade intelectual das vacinas e a falta de partilha é o principal obstáculo:
- AstraZeneca, BioNTech, Johnson & Johnson, Moderna, Novavax e Pfizer recusaram-se a participar em iniciativas para fomentar a oferta global de vacinas.
- Menos de 1% das pessoas nos países de baixos rendimentos têm vacinação completa, em comparação com os 55% nos países ricos.
- Estima-se que a BioNTech, Moderna e Pfizer ganhem 130 mil milhões de dólares até ao final de 2022.
- Através de uma análise à política de direitos humanos de cada empresa, à estrutura de preços de vacinas, aos seus registos de propriedade intelectual, à partilha de conhecimentos e tecnologia, à distribuição justa das doses de vacinas disponíveis, e à transparência, a Amnistia Internacional verificou que estas seis grandes farmacêuticas não tinham cumprido as suas responsabilidades em termos de direitos humanos. Das doses de vacinas administradas em todo o mundo, apenas 0,3% foi para países mais pobres (de baixo rendimento). Mesmo depois dos apelos continuados para a colaboração com o mecanismo COVAX Facility, que pretendia assegurar uma distribuição global e justa de vacinas, algumas das empresas analisadas continuaram a armazenar e enviar fornecimentos de vacinas para Estados que as acumulavam. Até ao momento, todas estas empresas se recusaram a participar em iniciativas coordenadas internacionalmente destinadas a impulsionar o fornecimento global através da partilha de conhecimentos e tecnologia. Também se opuseram a propostas de levantamento temporário dos direitos de propriedade intelectual.
A Amnistia Internacional Portugal relembra ainda que tem a decorrer a petição “Uma dose de igualdade” para as empresas farmacêuticas partilharem o seu conhecimento e tecnologia juntando-se à C-TAP, para que mais pessoas possam ter uma oportunidade real e justa de ter acesso à vacina.
- AstraZeneca, BioNTech, Johnson & Johnson, Moderna, Novavax e Pfizer recusaram participar em iniciativas para impulsionar o fornecimento global de vacinas
- Menos de 1% das pessoas nos países de baixos rendimentos têm vacinação completa, em comparação com os 55% nos países ricos
- BioNTech, Moderna e Pfizer deverão ganhar 130 mil milhões de dólares até ao final de 2022
- No mesmo dia em que o Presidente Joe Biden acolhe uma cimeira virtual com líderes mundiais sobre a COVID-19, a Amnistia Internacional lança um desafio e apela à entrega de 2 mil milhões de vacinas a países de baixo e médio rendimento até ao fim do ano
As seis empresas que lideraram o desenvolvimento e arranque das vacinas contra a COVID-19 estão a alimentar uma crise de direitos humanos sem precedentes, através da sua recusa em prescindir dos direitos de propriedade intelectual e partilhar a tecnologia, com a maioria a não dar prioridade às entregas de vacinas aos países mais pobres, sublinhou a Amnistia Internacional.
Num novo relatório, Uma Dose Dupla de Desigualdade, as empresas farmacêuticas e a crise das vacinas contra a COVID-19, a organização avaliou seis das empresas que detêm nas suas mãos o destino de milhares de milhões de pessoas: AstraZeneca plc, BioNTech SE, Johnson & Johnson, Moderna, Inc, Novavax, Inc e Pfizer, Inc. Esta investigação pinta um quadro sombrio de uma indústria que, lamentavelmente, não tem respeitado os direitos humanos.
“Vacinar o mundo é o nosso único caminho para sair desta crise. Deveria ser tempo de saudar estas empresas, que tão rapidamente criaram vacinas, como heróis. No entanto, para sua vergonha e nosso pesar coletivo, o bloqueio intencional das grandes farmacêuticas à transferência de conhecimento, e as suas negociações a favor dos Estados ricos, geraram uma escassez de vacinas absolutamente previsível e completamente devastadora para tantos outros”,
afirmou Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional.
“Isto está a mergulhar zonas da América Latina, África e Ásia em novas crises, empurrando os sistemas de saúde enfraquecidos para a beira do precipício, e causando, todas as semanas, dezenas de milhares de mortes evitáveis. Em muitos países de baixos rendimentos, nem mesmo os profissionais de saúde e as pessoas em situações de maior risco receberam a vacina”.
“Tendo como pano de fundo estas graves desigualdades, a BioNTech, a Moderna e a Pfizer deverão arrecadar, em conjunto, 130 mil milhões de dólares até ao final de 2022. Os lucros nunca deveriam ser priorizados às vidas”.
Falhas no cumprimento das responsabilidades de direitos humanos
De forma a avaliar a sua resposta à crise, a Amnistia Internacional reviu a política de direitos humanos de cada uma das empresas, a estrutura de preços das vacinas, os seus registos sobre propriedade intelectual, a partilha de conhecimentos e tecnologias, a distribuição justa de doses de vacinas disponíveis, e a transparência. Constatou que, em distintos graus, as seis principais farmacêuticas de vacinas tinham falhado no cumprimento das suas obrigações de direitos humanos.
Dos 5,76 mil milhões de doses administradas mundialmente, 0,3% foram para países de baixo rendimento, com mais de 79% a serem distribuídas em países de médio-alto e de alto rendimento. Apesar dos apelos para priorizar e colaborar com o programa COVAX, um mecanismo internacional que visa garantir uma distribuição global e justa das vacinas, algumas das empresas analisadas continuaram a armazenar e enviar fornecimentos de vacinas para Estados que as acumulavam.
Até ao momento, todas as empresas avaliadas se recusaram a participar em iniciativas coordenadas internacionalmente, destinadas a impulsionar o fornecimento global através da partilha de conhecimento e tecnologia. Também se opuseram a propostas de suspensão temporária dos direitos de propriedade intelectual, como a Renúncia do Acordo sobre Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS na sigla em inglês) da Organização Mundial do Comércio, proposta pela Índia e pela África do Sul.
Outras conclusões da investigação:
- Pfizer e BioNTech forneceram, até agora, nove vezes mais vacinas exclusivamente à Suécia, do que a todos os países de baixos rendimentos juntos – menos de 1% da sua produção até ao momento. Os preços elevados significam que as empresas deverão ganhar acima de 86 mil milhões de dólares em receitas até ao final de 2022.
- Moderna ainda não entregou uma única dose de vacinas a um país de baixo rendimento, tendo fornecido apenas 12% das suas vacinas a países de médio-baixo rendimento. Só entregará a vasta maioria das suas encomendas para o COVAX em 2022. Os preços mais elevados significam que deverá ganhar acima de 47 mil milhões de dólares até ao final de 2022.
- Johnson & Johnson desenvolveu a única vacina unidose no mundo, e vende a preço de custo, mas, até 2022, não cumprirá a grande maioria dos seus compromissos com o COVAX e com a União Africana. Recusou igualmente conceder uma licença a um fabricante canadiano que se ofereceu para fabricar milhões de doses adicionais.
- AstraZeneca entregou o maior número de vacinas a países de baixos rendimento, vende a preço de custo e emitiu algumas licenças temporárias a outros fabricantes. Contudo, recusou abertamente partilhar o seu conhecimento e tecnologia com iniciativas da OMS, e opôs-se à Renúncia do TRIPS.
- Novavax ainda não foi aprovada para utilização, mas atualmente planeia fornecer quase dois terços da sua produção à COVAX. Ainda assim, tal como outras, recusou partilhar o seu conhecimento e tecnologia, e opôs-se à Renúncia do TRIPS.
Apesar da maioria das empresas ter recebido milhares de milhões de dólares em financiamento governamental e encomendas antecipadas, as empresas criadoras das vacinas monopolizaram a propriedade intelectual, bloquearam as transferências de tecnologia, e opuseram-se firmemente contra medidas que iriam expandir o fabrico global destas vacinas. A sua contínua inércia tem prejudicado os direitos humanos em larga escala, com milhares de milhões de pessoas ainda sem acesso à vacina.
Faltam 100 dias para o final de 2021
“Hoje, assinalam-se 100 dias até ao final do ano. Apelamos aos Estados e às empresas farmacêuticas para que mudem o rumo drasticamente e façam, a partir de agora, tudo o que for necessário para entregar 2 mil milhões de vacinas a países de baixo e médio-baixo rendimento. Ninguém deve passar outro ano a sofrer e a viver com medo”, referiu Agnès Callamard.
Para coincidir com a publicação do relatório de hoje, a Amnistia Internacional está a lançar uma campanha global – apoiada pela Organização Mundial de Saúde e pelo Alto Comissariado para os Direitos Humanos – para responsabilizar os Estados e as grandes farmacêuticas. A “Faltam 100 dias e 2 mil milhões de vacinas!” exige ainda que o objetivo da Organização Mundial de Saúde, de vacinar 40% da população de países de baixo e médio-baixo rendimento até ao final do ano, seja cumprido. Apelamos aos Estados para que redistribuam as centenas de milhões de doses em excesso, que estão atualmente em espera, e às empresas farmacêuticas que desenvolvem estas vacinas, para que garantam que, pelo menos, 50% das doses produzidas vão para estes países. Se os Estados e as empresas continuarem no seu caminho atual, não haverá fim à vista para a COVID-19.
“Munidas com milhares de milhões de dólares, dos contribuintes, e com conhecimentos de instituições de investigação, as empresas farmacêuticas desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento destas vacinas que salvam vidas. Mas agora, devem tomar medidas imediatas para permitir que outras milhares de milhões de pessoas sejam vacinadas. Para que a distribuição seja justa e rápida, estas empresas devem priorizar as entregas a países que mais necessitam delas, e suspender os seus direitos de propriedade intelectual, partilhar o seu conhecimento e tecnologia e formar fabricantes qualificados para aumentar a produção de vacinas para a COVID-19”, mencionou Agnès Callamard.
Enquanto o Presidente Joe Biden se prepara para anunciar hoje, numa cimeira, novos compromissos para combater a pandemia do coronavírus, incluindo a vacinação completa de 70% da população mundial até setembro próximo, Agnès Callamard afirma:
“As vacinas para a COVID-19 devem estar prontamente disponíveis e acessíveis para todas as pessoas. Cabe aos governos e às empresas farmacêuticas tornar isto uma realidade. Precisamos de líderes, como o Joe Biden, para colocar milhares de milhões de doses sobre a mesa prontas a serem entregues, caso contrário, este é apenas mais um gesto vazio, e continuarão a perder-se vidas.”
A Amnistia Internacional está também a apelar aos Estados para assegurarem que as instalações sanitárias e os medicamentos estejam disponíveis e sejam acessíveis, aceitáveis e de boa qualidade para todas as pessoas. Devem ainda adotar leis e políticas que garantam que as empresas farmacêuticas estão em conformidade com os padrões de direitos humanos.
A organização escreveu a cada uma das empresas antes da publicação deste briefing. Cinco empresas – a AstraZeneca, a Moderna, a Pfizer, a BioNTech e a Johnson & Johnson – responderam. Reconhecem que uma distribuição justa e equitativa, particularmente em países de baixos rendimentos, é essencial, mas todas elas falharam no cumprimento dessas aspirações e nas suas responsabilidades de direitos humanos.
Contexto
O relatório da Amnistia Internacional não avaliou em pormenor as empresas russas e chinesas que produzem milhares de milhões de doses, já que estas empresas divulgam menos informação corporativa. Esta falta de transparência torna impossível proceder a uma avaliação completa. No entanto, como todas as empresas, também estas têm responsabilidades de direitos humanos. Também elas ainda não distribuíram equitativamente as suas vacinas, reservando a maioria das doses para consumo doméstico, e não aderiram aos mecanismos de partilha de conhecimento e tecnologia.
Os dados sobre a distribuição de vacinas, previsões de produção e de receitas para cada empresa foram retirados da Airfinity, uma empresa de ciência de dados. Os dados sobre taxas de vacinação em diferentes países, foram extraídos do projeto Our World In Data.
Utilizando dados destas fontes, a Amnistia calculou que, para cumprir o objetivo da OMS de vacinar 40% da população em países de baixo e médio-baixo rendimento, seria necessário vacinar mais de 1,2 mil milhões de pessoas adicionais nesses países até ao final do ano. Isto exigiria acima de 2 mil milhões de vacinas. Se apenas 50% da produção mundial de vacinas prevista até ao fim do ano fosse distribuída a países de baixo e médio-baixo rendimento, seriam providenciadas 2,6 mil milhões de vacinas.