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João de Sousa

Domingo, Novembro 3, 2024

Craveirinha, a voz poética de Moçambique

Craveirinha expressou em seus versos o sentimento nacional na dura luta contra a ocupação colonialista portuguesa, denunciou o racismo, a censura, a perseguição política e cantou a liberdade, a integração regional e a identidade cultural das nações africanas.

José João Craveirinha, poeta e ativista político moçambicano, nasceu em Lourenço Marques, em 1922, e faleceu em 2003 na mesma cidade – rebatizada como Maputo, após a independência do país. Desde a juventude, Craveirinha se engajou na luta contra o colonialismo português, sendo militante da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), de orientação marxista.

Por sua atividade política, Craveirinha foi preso em 1936 e libertado apenas em 1969. É considerado o poeta nacional de Moçambique e foi o primeiro autor africano a receber o Prémio Camões, em 1991. Publicou os livros de poesia Xigubo (1964), Cantico a un Dio di Catrame (1966, em italiano), Karingana ua Karingana (1974), Maria (1988) e Izbranoe (1984, em russo). No Brasil, foi publicada uma antologia poética de Craveirinha pela editora da Universidade Federal de Minas Gerais.

Abaixo, poemas do autor que encarnou a voz poética de sua nação. Confira.

 

Grito Negro

Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.

 

Suelto

No laboratório
o lobo dirige a radioatividade
e concentra o cobalto.

Na igreja
pequenos esqueletos juntam
no catecismo os metacarpos
e rezam.

 

É uma Náusea

É uma náusea
a manifesta piedade
e cobarde a inteligência
se não interpreta a realidade.

 

Poemeto

Na cidade calada à força
agora falamos mais.

Que para violar este silêncio
basta porem-nos juntos
na prisão.

 

A Grande Maldita

Isso a Grande Maldita
nunca devia ter feito.

Chegar de surpresa
e levar-te.

…………………..

Sem merecer
ainda estar
ao teu lado.

 

Karingana ua Karingana

Este jeito
de contar as nossas coisas
à maneira simples das profecias
– Karingana ua Karingana! –
é que faz o poeta sentir-se
gente.

E nem
de outra forma se inventa
o que é propriedade dos poetas
e em plena vida se transforma
a visão do que parece impossível
em sonho do que vai ser.

– Karingana!

 

A Boca

Jucunda boca
deslabiada a ferozes
júbilos de lâmina
afiada.

Alva dentadura
antônima do riso
às escancaras desde a cilada.

Exotismo de povo flagelado
esse atroz formato
da fala.

 

Os Poros da Peste

O gordo gato de sangue
ouve triste na madrepérola das unhas
os africanos rumores do nosso passajando
suco caqui epidérmico a chiar
um ror de ratos assomando
as cabeças perdidas
nos milhões de poros
da peste!

 

De Profundis

Possessos de sangue
em abrenúncios
de gritos.

Ao rosnar
da súcia,
em de profundis de facas.


por Claudio Daniel  | Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

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